Texto publicado originalmente no site Cultura&Mercado em 14 de Novembro de 2012.
Prefeitos em início de gestão têm um olho no caixa e
outro na política. Garantida a governabilidade, as demais secretarias são
apresentadas em regime de conta-gotas diárias.
Nesta etapa, todos aqueles que dependem direta ou
indiretamente das decisões que definirão rumos e possibilidades de trabalho na
Cultura para os próximos quatro anos, alimentam-se de expectativas. Esta é uma
constatação importante.
Para a população de um modo geral, a interação com as
formas de expressão acontece numa etapa em que os programas já estão
consolidados, em andamento ou não (leia mais). Para os trabalhadores da Cultura, as
decisões acerca dos novos modelos de gestão são cruciais para definir questões
elementares tais como a própria sobrevivência. Artistas, técnicos e produtores
dependem fundamentalmente de recursos públicos, pois, como é sabido,
bilheterias não garantem a remuneração a todos os que compõem a cadeia
produtiva dos espetáculos. Outras formas de expressão que dependem da difusão
de sua obra e reconhecimento para que seja comercializada, em outras escalas
também estão associados às mostras, editais e atividades de fomento. Assim,
resumidamente apresentada, são duas as pontas dependentes das políticas a serem
adotadas pelos novos Governos. De um lado a comunidade a quem os projetos são
dirigidos e de outro aqueles que criam e produzem Cultura. Não estou levando em
consideração a própria consolidação dos projetos políticos relacionados ao
sucesso efetivo das administrações.
É, portanto, significativa a
expectativa criada pela futura gestão da Cidade de São Paulo em torno de novos
Centros Culturais a serem construídos em regiões da periferia.
Não tenho dúvidas quanto à
necessidade da criação de novos espaços culturais e qualquer medida nesta área
é pouco se considerado o tamanho da cidade e as enormes carências. A tendência
de se fazer espaços plurais também me parece imprescindível pelas medidas
inclusivas implícitas.
Por razões naturais, qualquer
iniciativa desta natureza possui prazos de viabilidade, ou seja, a implantação
dos centros exige um longo caminho entre definição de espaços, projetos
construtivos, aprovações gerais e licenças, inclusão no orçamento do município,
eventuais desapropriações, projeto executivo e outras providências. É de se
esperar que estes espaços possuam funcionalidades objetivamente definidas e
sejam concluídos plenamente equipados para abrigar as mais variadas expressões
artísticas, musicais e cênicas.
Esta e outras decisões não
podem, entretanto, ser impeditivas da continuidade dos processos culturais em
andamento, nem limitadoras do aperfeiçoamento e acréscimos que se espera a cada
novo governo.
Na esfera de organismos como
o Theatro Municipal, por exemplo, serão necessárias providências emergênciais
relativas aos mecanismos de funcionamento do próprio teatro em si. Recentemente
abrigado numa fundação de direito público, é urgente a regularização do seu
corpo funcional, a definição do seu calendário para os próximos anos, a
multiplicação de suas atividades e a ampliação do seu papel como instrumento
gerador de conhecimento. No mínimo, garantir o fluxo natural de sua atividade
fim.
A cidade possui dinâmicas que
afetam não apenas o seus cidadãos, mas também aqueles que a visitam. Segundo a
SP Turis, a cidade de São Paulo recebeu 11,7 milhões de turistas em 2010. Sem
considerarmos os incomes dos eventos
esportivos internacionais próximos, mantida a mesma taxa de crescimento com
relação a 2009 (3,9%), a cidade receberá pelo menos 13 milhões em 2013, numa
relação de aproximadamente 80% de turistas nacionais. É pouco. Mal comparando, a cidade de New York
possui na sua região metropolitana pouco menos dos 19 milhões de habitantes da
Grande São Paulo (36 municípios circunvizinhos) e recebe mais de 50 milhões de
turistas por ano. Não deixa de ser uma referência mundial a sua concentração de
teatros, museus, casas de ópera, escolas de formação. Isto não significa que o
modelo americano nos sirva integralmente, mas é significativa a receita obtida
da perfeita combinação entre turismo de negócios, de compras e cultural.
É inconcebível imaginar a cidade
sem ações culturais importantes e estruturadas na sua região central. Seria um
erro tão grave quanto supor a subversão das naturais ocupações dos espaços existentes,
ou ainda não se privilegiar atividades culturais nos raios extremos da cidade.
Pelo contrário, equilibrar estas necessidades deve ser a tônica do plano de
ação de qualquer gestão municipal. Preferencialmente se forem axiais os
programas que aperfeiçoem e formem agentes, difundam a cultura em todos os
níveis, fomentem a produção cultural nas vertentes constituídas, espontâneas ou
acadêmicas e segundo suas características. Tudo isto, livrando a cultura das
amarras dos modelos atuais de leis de incentivo, aperfeiçoando os mecanismos de
fomento.
Como o processo é complexo
entendo ser fundamental investir na produção, qualificando resultados. Isto é
estratégico, pois é daí que se criará a dinâmica interna tão desejada quando a
cidade assume os seus bens culturais, extraindo o que há de melhor realizado
nos vários segmentos e promovendo sua interação com as inúmeras plateias,
independente de onde estejam no mapa da cidade. Lembrando que mesmo sem um
estudo demonstrativo das intersecções de público entre atividades culturais
distintas, é de se supor que cabe ao indivíduo a escolha das expressões que lhe
interessam em particular. Propor um cardápio múltiplo é estabelecer um
princípio elementar de franquia de direitos. Ao mesmo tempo, é inconcebível que
persista um modelo perverso em que empresas privadas não invistam verbas
próprias em projetos culturais específicos. Este diálogo precisa ser ampliado
com todas as áreas de marketing e que sejam apontados os valores agregados, pelo
menos aos espaços exemplares como, por exemplo o próprio Theatro Municipal.
Como contrapartida a estes investimentos privados, cabe ao município oferecer a
garantia de excelência, solidez de objetivos e capacidade de realização.
Tarefa difícil, mas, mais uma
vez, temos a oportunidade de produzir um modelo aperfeiçoado para a cidade de
São Paulo, estimulando a oferta e o seu aproveitamento por todos os que tiverem
interesse, incentivando os mais jovens e dando-lhes a oportunidade de acesso em
horários alternativos criados quando as ocupações estiverem plenas. Hoje já é
comum vermos grupos de várias áreas da cidade assistindo espetáculos de dança,
de ópera, de teatro, visitando exposições etc. As condições de acessibilidade
melhoraram muito e as experiências nesta direção também assinalam com o quanto
podemos tornar mais democratica esta cidade. São necessárias mais ações
urgentes junto às comunidades, associações e entidades de forma a identificar
potenciais de demanda e condições de atendimento.
Ampliando parcerias e, com
isto, as fontes de recursos driblando as dificuldades de investimento, é
perfeitamente possível multiplicar significativamente a oferta de bens
culturais, sua circulação inter-regional na cidade, identificar e desenvolver
novos atores no processo, dando mais um salto qualitativo nas relações da
Cidade com seus moradores.
(*) Gal Oppido é um dos mais geniais fotógrafos brasileiros. Tive a satisfação de integrar a equipe liderada por Rosana Caramaschi que editou o livro São Paulo 2000, um documento importantíssimo, totalmente dedicado ao ensaio de Gal sobre a cidade de São Paulo na virada do milênio. Este livro pode ser encontrado nas principais bibliotecas brasileiras e, com sorte, alguns exemplares em sebos do Brasil e do exterior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário