sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Nota de Rodapé (18)

Imagem obtida do comercial da Hope

Segundo o dicionário Aurélio, primitivo é relativo aos povos não letrados, que vivem em sociedades geralmente caracterizadas como de escala menor, organização social menos complexa e nível tecnológico menos desenvolvido do que as sociedades ditas civilizadas, e vistos pelo evolucionismo social (q. v.) como representantes de um estado social e mental supostamente mais próximo da condição original, natural, da humanidade, ou dela sobreviventes. Os antropólogos rejeitam o termo nesta concepção  por ser considerado cientificamente errôneo e decorrente de pressupostos ocidentais etnocêntricos o que parece claro e compreensível.
Sob este ponto de vista, não é correto dizer que o Brasil ainda mantém comportamentos primitivos em vários setores. Mas podemos dizer que o país, em alguns segmentos, possui pessoas com uma visão muito curta da complexidade abrangente da sociedade brasileira.
Temos, na cultura, formas de expressão que são típicas e enraizadas na maneira de enxergar determinados acontecimentos que  chegam via mecanismos de comunicação deste tempo, a cada vez mais rapidamente e com maior precisão. 
Há comportamentos de determinadas sociedades que para os  brasileiros são considerados deprimentes, inadequados, bárbaros e são rejeitados com toda a veemência, tais como a castração de mulheres em alguns países da África, as restrições aos direitos civis (voto, à livre circulação, ao simples direito de dirigir um carro, entre outros), trabalho escravo, punições descabidas como chibatadas, pedradas por conta de quebra de protocolos religiosos e tantos outros absurdos assim considerados, mas ainda praticados nos seus países de origem.
Não há na sociedade brasileira, pessoa esclarecida que não comemore as várias conquistas das mulheres, soando absurdo imaginar que seja aceitável qualquer forma de coerção, constrangimento ou abuso que restrinja direitos por conta de sexo ou sexualidade. 
Sabe-se também que se convive com realidades extravagantes (esta é apenas uma palavra elegante), bastando para isto que se vejam as noticias que recheiam os jornais, desde barbaridades com garotas e garotos presos em celas com marginais nas cadeias públicas do Pará sofrendo abusos e estupros sob os olhos cegos das "autoridades", prostituição infantil em várias cidades, inúmeros casos de violência contra a mulher. Não é necessário, portanto, ir muito longe, nem atribuir desvios apenas aos distantes países do Oriente e África. Num raio de não mais que um quilômetro das casas é provável que se tais abusos, comportamentos inadequados, constrangedores e inaceitáveis.
Ao mesmo tempo, há uma capacidade enorme de rir de si próprios, fazer troça, brincar com os excessos. Aliás irradiar os excessos para que eles se transformem em piada e provoquem aquilo que é uma das marcas mais saudáveis na cultura brasileira: o riso. 
Há uma tênue barreira entre o que é engraçado apenas por ser e aquilo que não é, esbarrando no puro preconceito, na discriminação.
É preciso, entretanto, tomar cuidado para não se cair no exagero. O episódio recente com o filme publicitário de lingerie com a modelo Gisele Bündchen é o que me parece uma falta de bom senso e de limites do censor (no caso uma Secretaria do Governo Federal). 
Ora, qual brasileiro leva a sério que uma mulher vá usar uma lingerie bonita para "cegar" seu parceiro e disfarçar uma besteira que tenha feito com o cartão de crédito? Ou o inverso: em sã consciência, um homem de cuecas, "sarado", faz sua companheira acreditar em qualquer besteira que ele fale? 
Respeite-se o direito à opinião, afinal sempre haverá quem não goste disto ou daquilo, mas, no caso em questão, há de sobra argumentos para defende-lo.
Todo casal que não tenha restrições próprias da sua maneira de pensar, pratica joguinhos sexuais na intimidade, usando e abusando da sensualidade. 
Por outro lado e além disto, quem não vê na Gisele Bündchen um modelo de comportamento, de maternidade, de discrição, de retidão, profissionalismo e beleza?
A Hope - a agência de propaganda e seus criadores - não escolheram uma modelo descartável, fútil. Nada disto. Escolheram a Sra. Gisele Bündchen referência mundial de qualidade.
É preciso uma mentalidade muito atravessada e limitada para imaginar que aqueles comerciais (veja aqui), bem humorados, devam ser retirados do ar por uma suposta ofensa às mulheres. Nesta ótica, os homens poderiam se sentir ofendidos por serem tratados como idiotas. As mulheres não precisam deste tipo de tutela já que possuem instrumentos elementares como, por exemplo, decidir não mais comprar produtos de determinada marca caso se sintam ofendidas. 
Senhoras lindas, feias, impecáveis, gordinhas, professoras, profissionais liberais, empresárias, empregadas domésticas, operadoras de telemarketing, todas, todas, todas, divirtam-se, comprem suas calcinhas brancas, pretas, vermelhas, coloridas, façam o que quiserem com sua intimidade, seduzam seus maridos, falem mal deles, brinquem com eles, façam carinho, sejam carinhadas, amadas, sem se sentirem ofendidas por um comercial de televisão que só lhes garantiu o direito de serem o que quiserem na sua intimidade sem que pessoas de qualquer Governo lhes digam o que deve ser feito. E cobrem destes mesmos governantes que trabalhem - isto sim - para impedir que fatos escabrosos como aqueles que invadem nossos jornais e que são da esfera do DEVER DO ESTADO não mais aconteçam.