segunda-feira, 29 de março de 2010

Carlos Gomes no mapa do Brasil (10)


Imagens da Praça Carlos Gomes - Curitiba - Paraná
por Joatan Berbel
"Isto, esta edificação com estas colunas leva o nome de stoa. Aquela parte interna ali, você vê? Era reservada aos comerciantes, aos banhos. Daqui da stoa se observa a ágora, esta grande área delimitada por estas construções. Uma espécie de praça, aberta, livre, para o cidadão e o debate democrático. Estas colunatas da stoa têm uma divisão, está vendo? A parte superior possui estes desenhos e a parte de baixo é assim mais lisa, porque nela as pessoas se encostavam, colocavam os pés. Sendo lisas, não eram deformadas pelo uso diário. Das stoas derivam os estóicos, os pensadores do logos (a razão universal) a ordenar todas as coisas e através do que o mundo é um todo harmônico (kosmos). Você vê ali a acrópole".
Com este ritmo acelerado, sábio e didático, olhando tudo e descrevendo além deles, com o mesmo entusiasmo* da primeira vez, vi e ouvi Cyro Del Nero descrevendo as maravilhas de Athenas, na Grécia. Numa de nossas viagens juntos à Bulgária, onde ele cenografava e eu produzia O Guarani, de Carlos Gomes, passamos pela Grécia no retorno ao Brasil.
Carlos Gomes teve um bom caminho na Bulgária** e certamente relembrado entre conversas que tivemos na ágora grega.
Não podemos dizer o mesmo da Praça Carlos Gomes em Curitiba, de onde, decepcionado, Joatan Berbel me enviou algumas fotos mostrando o descuido com coisas que são essenciais no espaço urbano.
Por mais sensível que o fotógrafo tenha sido ao encontrar no lixo um violino e declaração de amor, o entorno mantinha as lamentáveis consequências do descaso com o homem como já se tornou rotina no dia-a-dia das cidades.
Não se trata de responsabilizar apenas o poder público pelo mendigo enrolado nos seus trapos e dormindo sob uma árvore em tarde plena, ou pelos garotos consumindo crack, ou pelos consagrados carrinhos de pipoca de higiene suspeita.
São imagens corriqueiras que nos servem de espelho para o descaso da sociedade. O poder público é a ponta dinâmica deste processo. É sua responsabilidade tanto quanto é do cidadão ou cidadã que colocou as roupas para "quarar" na grama verde.

Lembro-me da Praça Carlos Gomes em Curitiba de alguns anos atrás. Uma como tantas, agradável, bem arborizada. Se hoje está degradada é compreensível, mas não aceitável.
As praças e os homens precisam de cuidados senão se deterioram, transmutam em outras coisas.
As praças deixam de ser espaços de convivência saudável, de diálogos de Cultura e - no caso da Carlos Gomes - de memória e homenagem. Os homens... bem, estes vão perdendo o brilho, a essência, a capacidade de ver o belo e, pouco a pouco, sem que percebam, passam a um estado de barbárie de dificil retorno.
* enthusiasmós - com deus interior
** Rosana Caramaschi e eu produzimos três títulos de Carlos Gomes em co-produção com a The Sofia National Opera: Il Guarany, Fosca, Maria Tudor.

Dilemas contemporâneos da Cultura (7)

Representation at the Theatre des Varietés
Jean Béraud

Bens Culturais são todas as formas de expressão da identidade de um povo e de sua humanidade.

Esta é uma definição para se repetir sempre. Milhares de vezes, rabiscando o que é forma, o que é expressão, identidade e por aí vai. Aliás, um exercício tentador.

A diferença entre arte erudita e arte popular reside no grau de alfabetização necessário para compreendê-las.

As artes populares trabalham com o universo conhecido, com a repetição, enquanto que as artes eruditas se orientam pela provocação de níveis alternativos e complementares de leitura e de abstração. Quanto mais uma determinada arte dita popular acrescentar de códigos de leitura, mais se aproxima da erudição.

Quando se fala em promover o acesso à Cultura Erudita comete-se um erro de origem: um cidadão não alfabetizado numa determinada linguagem não se aproximará dela. Considerando que o acesso existe uma vez que artes eruditas estão "expostas" nos seus lugares, a palavra "acesso" ganha o conteúdo de proximidade, facilidade de transito ou coisa parecida. Melhor seria usar como terminologia promover a iniciação à Cultura Erudita entendendo que isto significa promover o direito à alfabetização em determinada linguagem.

Ao insistimos na necessidade de formar pessoas e ensinar a pessoas o que música, pintura, ópera, dança, amplia-se o exercício dos seus direitos, inclusive de escolha.

Neste sentido, as instituições de comunicação de massa são cruéis, pois não avançam no direito ao conhecimento amplo e isto é cerceamento do direito.

Ora, se o cidadão não adquire outros níveis de leitura, ele jamais entenderá a importância de perpetuar as suas raízes culturais, um ciclo vicioso de difícil ruptura, já que não perceberá claramente sua realidade, seu papel social, terá uma visão limitada e corrompida na medida em que tenderá a desejar apenas o que o atende diretamente.

Convenhamos que seria uma lástima para o pais que deseja instituições sólidas, com valores sociais, políticos e econômicos que dêem sustentabilidade ao nosso futuro.