segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Dilemas Contemporâneos da Cultura (98)


Máscara "A ópera em São Paulo hoje"- por CP


Reflexões sobre as consequências e as inconsistências do que representa a acusação de desfalque de R$18 ou R$20 milhões do orçamento do Theatro Municipal amplamente difundida pelos veículos de comunicação em reportagens recentes. Qual a sua origem, seu significado e efeitos na percepção pública da nossa categoria?
Parte I

Sem dúvida, há um contrassenso nos perseguindo.

Nós diretores, regentes, cantores, músicos, atores, bailarinos, cenógrafos, designers – artistas da ópera – deveríamos ir ao teatro iluminados pela sóbria alegria do trabalho (expressão que tomo emprestada de Merleau-Pointy).

No entanto, há três anos um sombrio desprazer nos envolve quando se fala do Theatro Municipal de São Paulo.

Criadores foram sistematicamente afastados e as consequências desta atitude não serão de fácil reparação. Instalou-se um modelo em curso indesejado e perdulário.

Sob uma retórica inaceitável alega-se: 1) A casa já possui vários artistas nacionais; 2) Gera empregos com remuneração elevada; 3) O presente organizou o passado (como se fosse desajustado); 4) Finalmente o pior: justificam-se as ações em curso como uma promoção do denominado teatro a uma maravilha mundial.

Quanto aos empregos e artistas da casa, como se diz no jargão, nada a subtrair.  Afinal, é de se esperar que assim seja num teatro que pretende ser capaz de traduzir em conteúdo as expectativas culturais de uma sociedade que sequer sabe concretamente o que lhes é de direito nesta matéria. Uma sociedade que entre leigos e versados, laicos e devotos, muitas vezes se protege criando um arrazoado de opiniões e princípios guindados à condição de absolutos, mas que, no fundo, são resultado apenas da falta de referências em situações extremas como as que acontecem neste horroroso momento histórico, do exercício de certo olhar para si, para um pouco do que se faz “lá fora”, para seu entorno, para sua cultura.

Não se viabiliza nenhum processo cultural de fora para dentro, pois afinal não é a Cultura a maneira de se trazer o diferente à luz? Não é a Cultura a manifestação mais prudente das forças que compõem a memória, a maneira de se perceber, a forma como se relacionam as pessoas na sua comunidade, e por extensão na sociedade inteira? A mecânica natural do processo de desenvolvimento Cultural não é tratar o externo como referência para se proteger e se projetar o que é próprio?

Pois bem. O incomodo e toda sua lista de sinônimos, o desagradável, o embaraçoso, o constrangedor, o impróprio, o descabido, é exatamente esta incapacidade de se produzir conteúdo, nesta visão estreita que se recusa a compreender – a querer compreender – que tudo o que vem sendo feito está errado, não interessa à Cultura Brasileira, não é a maneira adequada de se conduzir artisticamente a ópera nesta cidade superlativa, não pode ser nesta relação de custos, que algo está errado, algo está muito errado, algo está insustentavelmente errado.