Montagem sobre cena em p&b do Anel do Nibelungo de Bob Wilson e ingresso
by cepê
Watermill Center é uma instituição americana. Como também
é Bob (Robert) Wilson.
Aos 71 anos, Bob Wilson construiu uma marca de largo
espectro, trabalhando com todas as possibilidades que a arte oferece. Assim,
enquadrá-lo como diretor, coreógrafo, performer, escultor, pintor, designer de
som e luz, arquiteto, vídeo artista ou designativos semelhantes não deixa de
ser uma forma involuntária de redução. Bob é um artista sem limites, cujos
limites são aqueles impostos por ele mesmo.
Radicaliza quando extrai a emoção das palavras
cantadas, exclui os contatos visuais dos diálogos e traduz o movimento em
gestos contidos ao extremo e sem necessariamente um significado claro para a
plateia (leia mais). Tudo passa a ser forma, com linhas verticais e horizontais que se
movem, sem economia de espaços, sem objetos, com luz e contraluz todo o tempo. Desenhos
que imprimem uma logotipia própria, um carimbo de si próprio de encantamento
inevitável.
Sua obra é magnífica. Não há quem não veja com prazer
a profusão de formas visuais que cria com a luz e a insistência com que
transforma todas as cenas em fotogramas diferentes uns dos outros, com precisão
cirúrgica a subtrair o máximo da sua imaginação, numa interpretação de gestos mínimos
sem qualquer similaridade concreta com os teatros nô,kyogen ou kabuki japoneses. Ou seja, independente das suas eventuais referências,
a obra de Bob Wilson é única, expressão de sua maneira de ver os textos que
interpreta e de caráter universal já que entrega o espetáculo acabado com uma
assinatura própria.
Uma constatação disto tudo, esteve presente na recente
apresentação da sua versão de Macbeth, a ópera de Giuseppe Verdi, baseada na
peça homônima de William Shakespeare. Anunciado como Macbeth de Bob Wilson, o
espetáculo entra na galeria onde estão a Madame Butterfly de Bob Wilson, o Anel
do Nibelungo de Bob Wilson e mais de 60 outros títulos de Bob Wilson.
Mesmo que se fale da “fórmula Bob Wilson” de fazer
teatro e ópera, mesmo que se critique sua adequação ao establishment que o
premia com fartos recursos em todo o mundo, é fato que sua obra é objeto de
louvação publica por plateias e artistas de várias formas de expressão.
Abrindo mão do distanciamento (inclusive épico), da
ilusão dramática, da relação direta entre personagens previamente concebidos, seu
trabalho é classificável de pós-dramática (ver Teatro Pós-Dramático, de
Hans-Thies Lehmann) e Bob Wilson ratifica isto ao não perseguir uma adesão
integral do expectador, mas um exercício da sua percepção aos estímulos
provocados por sua luz cenográfica. Não há mesa em Macbeth, mas dois fios de
luz paralelos criando um tampo imaginário no ar. Não há parede no quarto de
Lady Macbeth, mas um tecido sugerido por lantejoulas douradas gigantes presas a
fios, da mesma forma que seu céu estrelado é feito por lantejoulas mínimas
também fixas da mesma maneira e submetidas a movimentos aleatórios inevitáveis
refletem – faíscam – uma delicada luz pontual sob um fundo azul escuro. Não
existem objetos. Ou melhor, poderiam não existir objetos. Da mesma maneira que
não há carta, não seria necessária a faca usada por Macbeth que Bob Wilson
mantém, ou mesmo as adagas dos assassinos. Desnecessária a cadeira com o tecido
branco que desce lentamente presa a um fio aparente para simbolizar a aparição
de Banquo no trono de Macbeth? Wilson mantém a cadeira. Bastaria o tecido, uma
fumaça, um vento. Dirigir também é optar. É provável que em montagens futuras a
cadeira suma.
Assistir Bob Wilson tornou-se uma obrigação
intelectual e talvez por isto, certo dejá-vu é também inevitável.
Ao contrário do dejá-entendu desejado pelo público de
ópera, os espetáculos de Bob Wilson tendem ao blasé do contato com a alta
tecnologia técnica.
Torna-se um contraponto interessante ver a maioria das
produções de ópera nacionais em que se conta em pouco mais da metade dos dedos
da mão esquerda, os diretores que não abusam do excesso de elementos simbólicos
atribuindo significados para além do texto, misturando alegorias futuristas,
religiosas, sociais, pseudopolíticas, com incontrolável profusão de ideias, sem
qualquer significado no mesmo espetáculo, ou a opção pela linearidade
explicita, muitas vezes cópias mal transcritas de dvd’s importados.
O teatro de Bob Wilson trabalha o movimento do ator e
não a ausência dele como podem apressadamente supor alguns. É sua opção usar o
movimento daquela forma.
Nada mais contemporâneo do que propor que o movimento
determine a interpretação da música – do texto – assumindo ser a razão do trabalho
do ator (que age). Mesmo que esta ação seja de aparente ausência, ou até de
distanciamento da partitura proposta. Isto não significa ausência de meios, de
cenários, de figurinos, mas de equilíbrio e uma pesquisa que tanto pode evoluir
para a extrema contenção dos movimentos ou a sua naturalidade próxima do real imaginado
(aí sim, a criação).
Há quem não goste e odeie Bob Wilson pela ausência do
apego aos diálogos.
Sendo a ópera um espetáculo de teatro musical, seu
compositor originalmente definiu os tempos da ação. É natural e esperado por
certa parcela de público que, em Macbeth, por exemplo, o diálogo dos três
grupos de Bruxas seja exposto de maneira criativa pelos diretores, ou, também
como exemplo, que os dois grupos Assassinos conversem entre si, que se estabeleça
o diálogo entre os homens de Malcolm e Macduff, preservando a estereografia de
Verdi. Ou ainda que a personalidade forte de Banquo como opositor de Macbeth
seja valorizada por suas reações antevistas pelo compositor. Ou seja, sob a
alegação de que seu trabalho não traduz a obra original e com isto não
contribui para a compreensão do texto, odeia-se Bob Wilson por excluir da sua
interpretação detalhes explícitos pelo compositor na partitura. Rejeita-se Bob
Wilson porque seu trabalho aparentemente engessa o cantor e o põe na arena
obrigando-o a cantar pleno, movendo-se como um fantoche ou, por ironia, como
boneco de playmobil. Isto não impede, entretanto, que se reconheça o valoroso
baixo Carlo Cigni, interprete de Banquo.
Aos comentários de que a música é boa por si, é bom
lembrar que ópera é teatro musical ao vivo executada dentro de convenções
formais e Bob Wilson faz teatro: o teatro dele.
Ama-se e odeia-se Bob Wilson. Escolha um lado e
divirta-se.