terça-feira, 27 de novembro de 2012

Bob Wilson em movimento.


Montagem sobre cena em p&b do Anel do Nibelungo de Bob Wilson e ingresso
by cepê

Watermill Center é uma instituição americana. Como também é Bob (Robert) Wilson.
Aos 71 anos, Bob Wilson construiu uma marca de largo espectro, trabalhando com todas as possibilidades que a arte oferece. Assim, enquadrá-lo como diretor, coreógrafo, performer, escultor, pintor, designer de som e luz, arquiteto, vídeo artista ou designativos semelhantes não deixa de ser uma forma involuntária de redução. Bob é um artista sem limites, cujos limites são aqueles impostos por ele mesmo.
Radicaliza quando extrai a emoção das palavras cantadas, exclui os contatos visuais dos diálogos e traduz o movimento em gestos contidos ao extremo e sem necessariamente um significado claro para a plateia (leia mais). Tudo passa a ser forma, com linhas verticais e horizontais que se movem, sem economia de espaços, sem objetos, com luz e contraluz todo o tempo. Desenhos que imprimem uma logotipia própria, um carimbo de si próprio de encantamento inevitável.
Sua obra é magnífica. Não há quem não veja com prazer a profusão de formas visuais que cria com a luz e a insistência com que transforma todas as cenas em fotogramas diferentes uns dos outros, com precisão cirúrgica a subtrair o máximo da sua imaginação, numa interpretação de gestos mínimos sem qualquer similaridade concreta com os teatros nô,kyogen ou kabuki japoneses. Ou seja, independente das suas eventuais referências, a obra de Bob Wilson é única, expressão de sua maneira de ver os textos que interpreta e de caráter universal já que entrega o espetáculo acabado com uma assinatura própria.
Uma constatação disto tudo, esteve presente na recente apresentação da sua versão de Macbeth, a ópera de Giuseppe Verdi, baseada na peça homônima de William Shakespeare. Anunciado como Macbeth de Bob Wilson, o espetáculo entra na galeria onde estão a Madame Butterfly de Bob Wilson, o Anel do Nibelungo de Bob Wilson e mais de 60 outros títulos de Bob Wilson.
Mesmo que se fale da “fórmula Bob Wilson” de fazer teatro e ópera, mesmo que se critique sua adequação ao establishment que o premia com fartos recursos em todo o mundo, é fato que sua obra é objeto de louvação publica por plateias e artistas de várias formas de expressão.
Abrindo mão do distanciamento (inclusive épico), da ilusão dramática, da relação direta entre personagens previamente concebidos, seu trabalho é classificável de pós-dramática (ver Teatro Pós-Dramático, de Hans-Thies Lehmann) e Bob Wilson ratifica isto ao não perseguir uma adesão integral do expectador, mas um exercício da sua percepção aos estímulos provocados por sua luz cenográfica. Não há mesa em Macbeth, mas dois fios de luz paralelos criando um tampo imaginário no ar. Não há parede no quarto de Lady Macbeth, mas um tecido sugerido por lantejoulas douradas gigantes presas a fios, da mesma forma que seu céu estrelado é feito por lantejoulas mínimas também fixas da mesma maneira e submetidas a movimentos aleatórios inevitáveis refletem – faíscam – uma delicada luz pontual sob um fundo azul escuro. Não existem objetos. Ou melhor, poderiam não existir objetos. Da mesma maneira que não há carta, não seria necessária a faca usada por Macbeth que Bob Wilson mantém, ou mesmo as adagas dos assassinos. Desnecessária a cadeira com o tecido branco que desce lentamente presa a um fio aparente para simbolizar a aparição de Banquo no trono de Macbeth? Wilson mantém a cadeira. Bastaria o tecido, uma fumaça, um vento. Dirigir também é optar. É provável que em montagens futuras a cadeira suma.
Assistir Bob Wilson tornou-se uma obrigação intelectual e talvez por isto, certo dejá-vu é também inevitável.
Ao contrário do dejá-entendu desejado pelo público de ópera, os espetáculos de Bob Wilson tendem ao blasé do contato com a alta tecnologia técnica.
Torna-se um contraponto interessante ver a maioria das produções de ópera nacionais em que se conta em pouco mais da metade dos dedos da mão esquerda, os diretores que não abusam do excesso de elementos simbólicos atribuindo significados para além do texto, misturando alegorias futuristas, religiosas, sociais, pseudopolíticas, com incontrolável profusão de ideias, sem qualquer significado no mesmo espetáculo, ou a opção pela linearidade explicita, muitas vezes cópias mal transcritas de dvd’s importados.
O teatro de Bob Wilson trabalha o movimento do ator e não a ausência dele como podem apressadamente supor alguns. É sua opção usar o movimento daquela forma.
Nada mais contemporâneo do que propor que o movimento determine a interpretação da música – do texto – assumindo ser a razão do trabalho do ator (que age). Mesmo que esta ação seja de aparente ausência, ou até de distanciamento da partitura proposta. Isto não significa ausência de meios, de cenários, de figurinos, mas de equilíbrio e uma pesquisa que tanto pode evoluir para a extrema contenção dos movimentos ou a sua naturalidade próxima do real imaginado (aí sim, a criação).
Há quem não goste e odeie Bob Wilson pela ausência do apego aos diálogos.
Sendo a ópera um espetáculo de teatro musical, seu compositor originalmente definiu os tempos da ação. É natural e esperado por certa parcela de público que, em Macbeth, por exemplo, o diálogo dos três grupos de Bruxas seja exposto de maneira criativa pelos diretores, ou, também como exemplo, que os dois grupos Assassinos conversem entre si, que se estabeleça o diálogo entre os homens de Malcolm e Macduff, preservando a estereografia de Verdi. Ou ainda que a personalidade forte de Banquo como opositor de Macbeth seja valorizada por suas reações antevistas pelo compositor. Ou seja, sob a alegação de que seu trabalho não traduz a obra original e com isto não contribui para a compreensão do texto, odeia-se Bob Wilson por excluir da sua interpretação detalhes explícitos pelo compositor na partitura. Rejeita-se Bob Wilson porque seu trabalho aparentemente engessa o cantor e o põe na arena obrigando-o a cantar pleno, movendo-se como um fantoche ou, por ironia, como boneco de playmobil. Isto não impede, entretanto, que se reconheça o valoroso baixo Carlo Cigni, interprete de Banquo.
Aos comentários de que a música é boa por si, é bom lembrar que ópera é teatro musical ao vivo executada dentro de convenções formais e Bob Wilson faz teatro: o teatro dele.
Ama-se e odeia-se Bob Wilson. Escolha um lado e divirta-se.