quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Bravos da Cultura (1)

O Coro
Edgar Degas

Inauguro hoje esta nova coluna e pretendo mantê-la sem periodicidade definida ainda. Postar quando  o coração mandar e quando tiver algo de bom a dizer a respeito de coisas da Cultura. Não que isto seja difícil, mas como a Cultura é de certo modo a tradução do Belo, do Bom e do Verdadeiro – uma aproximação do Homem à Divindade, exaltá-la me parece necessário apenas para demonstrar o quanto se erra quando se distorce o conceito. Neste caso, apontar defeitos e problemas é mais conclusivo porque nos permite refletir a respeito de como deveria ou queremos que seja.

Bravos da Cultura, entretanto, é para falar bem e sem a preocupação de conclusão alguma.

O que me motivou a iniciar esta coluna no Blog foi aquilo que é o objetivo final da nossa profissão: o espetáculo e a satisfação do público.

Isto mesmo. Fui motivado pela apresentação, sob a regência do Maestro Mário Zaccaro, da Orquestra Sinfônica, do Coral Lírico e solistas do Theatro Municipal de São Paulo, na Sala São Paulo, em 21 de Dezembro de 2010.

A perspectiva privilegiada de visão da Sala (estava no camarote 12 sobre a orquestra, com o Coral Lírico à minha direita e a plateia lotada à minha esquerda) permitiu observar e refletir sobre o nosso papel como artistas num espetáculo como aquele.

São tantas as dificuldades por que passam os profissionais da área para o exercício da sua atividade que somente uma resposta parece ser possível para que se obtenha resultados como aqueles: são profissionais e que à frente de uma boa liderança, conseguem em associação fazer o que gostam da melhor maneira possível.

Zaccaro à frente da Orquestra, do Coro e Solistas estabeleceu-se como o fator de conjunto que permitiria o concerto com a leveza que se obteve. Que me desculpem os demais colegas, mas considero Mário Zaccaro o melhor Regente de Coro Lírico que temos no Brasil. Não temos, e se alguém discordar o espaço é aberto, ninguém em atividade com a sua experiência no país. Zaccaro é um regente de coral lírico, um regente de ópera, conhecendo profundamente os truques do metier, fruto de longa convivência com o gênero, tendo trabalhado como poucos com vários regentes e diretores cênicos. É natural e esperado inclusive que tenha seu espaço profissional ampliado regendo em outras oportunidades a Orquestra do TMSP tão logo sejam retomados os rumos normais do Theatro Municipal, concluída  sua reforma.

Mas este post não deve ser lido como uma ode ao Maestro ou ao excelente conjunto que dirige. Se carrego nas tintas é a expressão transparente do que depreendo do trabalho que há alguns anos acompanho e muito distante a intenção de ser crítico de qualquer trabalho na área da ópera.

Aqui espero ver refletido o sentimento a que fui submetido durante a apresentação do conjunto: enquanto se apresentavam pude observar cuidadosamente a expressão de cada profissional ali envolvido, a maneira como abordava seu instrumento, seu carinho com o programa natalino proposto, um cello com uma touca vermelha, a linha de canto de cada naipe do coral lírico, a coesão do conjunto.

A plateia reagia frenética, enquanto observava, e, quando solicitada a participar com palmas, num instante, olhando e ouvindo tudo, vejo um colega do coral me lembrando com um sinal dos olhos que eu também deveria percutir com as mãos, naquele dia, como plateia.

Foi este o momento em que, tendo trabalhado algumas vezes com aquele conjunto, tive a exata percepção do que é pertencimento, de fazer parte daquela turma, de alguma maneira, estar unido àquele grupo pelos mesmos propósitos profissionais, com as mesmas expectativas de futuro, de algum modo próximo, integrado. Esta dimensão, em que nem sempre nos deixamos envolver, é, agora melhor clareada, a resposta sensível da matéria que une artistas e os torna cumplices.