domingo, 29 de setembro de 2013

Dilemas Contemporâneos da Cultura (84)

Acrílica sobre tela - Walter Introini

Ao ser indicado pelo deputado Gabriel Chalita ao prefeito eleito Fernando Haddad, John Neschling assumiu a direção artística do Theatro Municipal de São Paulo (TMSP) sob a aura de retorno à Cidade que o aplaudiu à frente da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.
Após sair da OSESP, Neschling reapareceu com sua Companhia de Ópera que não vingou após alguns meses de trabalho.
Nome natural para estar à frente de Orquestras Brasileiras, após longo retiro sabático, digamos assim, o maestro retornou a São Paulo, visto com certo pé atrás por algumas pessoas, muito mais em função do seu estilo arrasa-quarteirão do que por sua competência(segue).  O tom ameno das primeiras entrevistas e conversas mantinha nos interlocutores certo receio de que seu temperamento tumultuasse a cena lírica da Cidade. A bolsa de apostas dos bastidores oscilava à época entre 6 e 8 meses para que a brisa fresca se transformasse em tufão.
Em meio a uma mudança administrativa iniciada na gestão anterior, sob regime de uma Fundação de direito público (acho um erro este caminho inicial e nele está a diferença fundamental com relação à OSESP, por exemplo), o Theatro Municipal de São Paulo inevitavelmente, qualquer que fosse o gestor, passaria por um período de transição complexo e difícil. Fazendo uso de uma analogia vulgar, esta fase seria a mesma de trocar as turbinas do avião durante um longo voo para o Japão.
Este preambulo serve para dar uma face das tensões que permeiam o TMSP neste momento.
Infelizmente, o Theatro está às voltas com problemas que extrapolam as questões de funcionamento administrativo, virando palco de polarizações evidenciadas por afirmações negativas quando à qualidade dos profissionais brasileiros, acusações de supostos favorecimentos comerciais, dúvidas de sabotagem nos equipamentos, reclamações internas de diversas origens, preconceitos contra a própria cidade, excessos nas redes sociais (da acusação diária de desvios de conduta do maestro ao puxa-saquismo extremado, passando por respostas iradas, contestação permanente de ambos os “lados” etc.), fusão dos Corais Lírico e Paulistano, e matérias em vários veículos como a Folha de São Paulo e a Isto é e outros, gerando polêmica, rebatimentos e novas contestações nas redes sociais.
Nós profissionais da ópera, precisamos trabalhar e é natural a expectativa de fazê-lo no Theatro Municipal onde regularmente sempre houve espaço para todos. Tecnicamente falando, não há razão para que artistas de várias áreas estejam fora da programação do TMSP. Artistas que, antes desta gestão, criaram e produziram bons espetáculos durante vários anos e na vocação original do TMSP de apresentar  ópera.
Por outro lado, a construção das responsabilidades do Municipal são mais complexas. Sabemos que temos severas limitações no ensino em todas as áreas. Faltam mais professores de canto, o ensino das técnicas de interpretação é insipiente, não há escola regular que atenda a demanda de técnicos, faltam programas de profissionalização. Não podemos, entretanto,  anular a capacidade de nossos artistas, bastando para isto observar que o teatro, o cinema e a televisão se desenvolvem. E se isto acontece é porque existem mecanismos criados dentro do próprio Estado para que isto aconteça.
Já a ópera depende dos espaços de grande porte, de orquestras e coros para ser realizada de maneira plena. Mesmo com outras soluções isoladas de sucesso em outros formatos, ainda não há meios de se criar uma base sólida abrangente para o gênero.
Isto não acontecerá em São Paulo se o Municipal não priorizar a presença de artistas e técnicos nacionais trabalhando de fato. Este raciocínio ou “prestação de contas” não pode ser numérico, nem apenas fundamentado em respostas semânticas. Insisto: é a direção do Theatro Municipal quem deve se posicionar e criar mecanismos para que artistas nacionais possam atuar na sua programação e não estou falando apenas nos corais e orquestras.
Estou certo de que todos queremos que o Theatro volte à normalidade, trabalhando com qualidade, criando oportunidades para os profissionais brasileiros, trazendo artistas estrangeiros, inclusive diretores, regentes, cenógrafos, entre outros, que possam acrescentar experiência à atividade no Brasil.
Mais ainda, queremos que o Theatro respeite as instituições, a legislação vigente em todos os seus aspectos, que crie mecanismos para promover o acesso da população ao gênero e, reconhecida sua limitação física (pouco mais de 1500 lugares), que outras formas de apresentação sejam desenvolvidas, principalmente para e nas periferias. Seria um ótimo desafio para o prefeito Haddad construir um novo teatro de ópera na zona leste, por exemplo, obrigando o próximo governante municipal a ocupa-lo de maneira adequada.
Queremos também que o TMSP fomente a produção nacional, definindo novos padrões artísticos que atraiam público de todo o país e do exterior para seus espaços, que consiga difundir a ópera favorecendo o pensamento intelectual em torno do tema e uma série de outras providencias conhecidas por quem é da atividade. O TMSP tem a obrigação de construir este caminho e isto não se contesta.
Creio que de um modo geral ninguém é, por princípio, contra qualquer gestão nova no TMSP e todos torcem para que o resultado seja bem feito. No entanto, o fazer bem feito tem um componente que implica em ponderação, aceitação e compreensão das divergências, negociação de forma equilibrada, respeito à história dos equipamentos e das pessoas envolvidas, entre outros aspectos óbvios.
Pessoalmente, sou radicalmente contra a extinção do Coral Paulistano ou sua fusão com o Coral Lírico como foi anunciado e se tornou o foco da crise atual do Theatro. Basta dizer que o Paulistano é um ativo artístico da Cidade de extrema importância e relevância. Suas características precisam ser preservadas e seu trabalho e seu conceito valorizados. Sua extinção é uma perda irreparável para os profissionais que deram corpo ao conjunto e para a Cidade. Qualquer ação desta natureza precisa ser repudiada com veemência.
De resto, acho que já passou tempo demais, já se falou demais e é chegada a hora de dizer chega. O Theatro precisa entrar nos eixos, mesmo que para isto tenha que recuar em algumas posições. Não dá para esticar a corda o tempo todo e, quando ela se rompe, não adianta imaginar que alguém a cortou. Outra analogia banal, mas simples e direta como devem ser as coisas no ambiente criativo.
A continuar este estado não haverá meios de se conseguir bons resultados artísticos e toda a cadeia envolvida, dos dirigentes do teatro ao Prefeito, todos serão responsáveis.