quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Dilemas Contemporâneos da Cultura (61)


Conversava hoje com o administrador de um teatro numa das belas e interessantes cidades no interior do Estado de São Paulo. 


"Um dos problemas mais graves que temos - disse ele - é quando certas "estrelas" do teatro se apresentam aqui. Alguns entram no teatro e se portam como donos, impedem a circulação dos nossos profissionais, assumem o controle e não podemos fazer nada porque é um problema da pauta, é um nome importante".


Comentei com ele que esta é uma questão inadmissível e é uma questão de conceito. 


O teatro (os teatros) público está a serviço da comunidade na medida em que facilita o acesso à informação cultural. Ao mesmo tempo, está também a serviço dos artistas que o utilizam e para tal, precisa cumprir uma série de requisitos (instalações, limpeza, gestão etc.). 


Mas está a serviço e não servil a nenhuma das partes. Tanto a comunidade quanto os artistas têm o equipamento a seu dispor dentro de determinadas regras.


Cabe ao público comparecer, pagar ou não seus ingressos, utilizar adequadamente as instalações, obedecer às normas de segurança e preservação do espaço etc. Ao mesmo tempo, ao artista cumprir com suas obrigações contratuais, garantir a obediência as normas de segurança e regras de utilização etc. E ao teatro fazer com tanto um quanto o outro sejam satisfeitos nas suas demandas específicas, sempre levando em conta que a preservação deste bem público é condição de todo o processo. 


Não parece simples? Pois é. Precisa ser simples. 

(obs.: imagem www.omais.com)

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Dilemas Contemporâneos da Cultura (60)

Maske
Escultura em casca de ovo de Alexander Volk (*)

Nada mais natural do que não gostar de alguma coisa que se vê: de um filme, um espetáculo, uma exposição. 
Mas como dizer "não gostei" para algo que críticos, amigos, disseram que é "muito bom"?
Este é um dos dilemas mais complexos. 
Um cantor "brega" vira cult se chamado a participar do show de uma estrela da MPB. Não é assim que história tem apresentado?
O fenômeno "não sei se posso gostar" não é recente. De um modo geral, são os chamados formadores de opinião que indicam o que é o bom da vez e as pessoas assimilam isto com relativa facilidade. Antes eram as gravadoras que diziam o que era bom em cada segmento da música. Hoje, com a multiplicidade de canais de difusão, os novos modelos de produção, o que é bom é determinado pelas redes. 
Mesmo nestes casos, as pessoas ainda não sabem dizer se "podem" gostar disto ou daquilo. Só o fazem depois de se certificarem que suas referências também gostaram. 
O que não deixa de ser um fenômeno engraçado, já que a possibilidade de escolha é uma direito individual transferido para o coletivo e não o inverso.
O 'não sei se posso gostar" está associado também a certa malícia. Muitas pessoas, por não quererem se expor frente aos seus grupos, preferem não omitir qualquer opinião até que tenham a certeza de que não serão diminuidas junto a seus pares. Nestes casos, o direito de opinião, não é respeitado ao pé da letra. 
O que fazer?
Não se deixar enganar por estas falsas perspectivas coletivas, perceber o jogo de poder reduzido (isto mesmo: reduzido) a este contexto e deixar-se levar por suas próprias emoções.
Se, junto com isto, os "em dúvida" resolverem ler mais, se informar mais, ficará mais fácil rir com vontade, chorar de felicidade. 




(*) Escultura em ovo é "brega", kitsch? E daí? Gostei.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Carlos Gomes no Mapa do Brasil (34)

Sombra da cruz sobre a lua cheia na igreja católica 
Sagrado Coração na cidade de Klamath Falls em Oregon, Estados Unidos


Santo Abílio  foi bispo de Alexandria no Egito, sucedendo ao apóstolo São Marcos e ao bispo Anianus. O historiador Euzébio registra que Abilius foi bispo por volta de 84 d.C.


Santo Abílio tornou-se santo por resistir à tortura. Por não renegar sua fé cristã, foi condenado ao martírio. Temos difíceis aqueles.


A tortura era feita para que o cristão concordasse em renegar publicamente a sua fé e a oferecer sacrifícios aos deuses romanos e as vezes eram feitas as escondidas em calabouços. Em geral as torturas eram suplícios terríveis, mas feitas de modo a não matar o torturado, e se ele cedesse era libertado e retornava para casa. 

Segundo os martirologistas, somente uma pessoa santa e fé inabalável, poderia resistir ao martírio. Por isto os mártires da época com “Atos de Martírio” autênticos, são considerados santos sem passar todo o longo processo de beatificação e canonização.

A celebração de Santo Abílio é feita neste dia 22 de Fevereiro. 

Nesta mesma data, Santa Margarida de Cortona é também relembrada. Nasceu em Laviano na Toscana, mas foi em Cortona onde viveu e veio a morrer. Por inúmeros pecados, Santa Margarida passou 22 anos em penitência. Sua história termina quando morre aos 48 anos (22/02/1297), sendo enterrada na Igreja da Ordem Terceira de São Francisco onde até hoje seu corpo está intacto. Margarida de Cortona foi incluída no Catálogo dos Santos em 1728 pelo papa Bento XIII. 


Tanto são Santo Abílio quanto Santa Margarida são nomes de rua em São Paulo, na Zona Norte e perto da Rua Carlos Gomes no Tucuruvi. 


Já São Maximiano - também relembrado no dia 22 de fevereiro - é também nome de rua, mas fica longe, do outro lado do rio Tietê, na Água Rasa. 


São Lineu, outro santo comemorado no mesmo dia, não tem nome de rua em São Paulo.


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Nota de Rodapé (13)

Festival Amazonas
capas dos programas dos quatro primeiros anos

Apropriada a análise de João Marcos Coelho (1) sobre as mudanças recentes no Theatro Municipal de São Paulo que vive um momento delicado de transição em que se obrigam a conviver obras de reforma e restauro e os corpos artísticos. Como sempre, o crítico nos oferece um texto arguto e hábil.

Ao citar no texto o Maestro Luiz Fernando Malheiro como idealizador (sic) do Festival Amazonas de Ópera, Coelho lembrou-me outro artigo recente em que a história do início deste mesmo festival não ficou clara.

Vamos aos antigos fatos.

Desde 1990, buscávamos caminhos para a produção independente de teatro e ópera. Em 1994, já trabalhando ideias para o centenário de Carlos Gomes em 1996, criei um projeto que se materializaria com a exposição Carlos Gomes, Vida e Obra (2) e recitais itinerantes, a produção na Bulgária de três óperas de Carlos Gomes, sua gravação em Video e em CD, sua exibição nas TVs Educativas em rede nacional e circulação da ópera Fosca por três estados brasileiros.

Nossa ida à Bulgária foi consequência da falta de apoio dos teatros e governos que obtivéramos no Brasil. Tínhamos um banco patrocinador de origem italiana que se propôs a apoiar o projeto (3), buscamos alguns teatros na Itália, Portugal e Espanha que se dispusessem a fazer uma parceria conosco, o que se tornou inviável. Convidamos o maestro Júlio Medaglia para dirigir a primeira produção (Il Guarany) e, por sugestão dele, conversamos com a Opera Nacional de Sofia, onde estabelecemos as bases iniciais do programa. Eles entrariam com a mão de obra técnica, orquestra, coro e corpo de baile. Nós cuidaríamos dos recursos financeiros, da regência (sempre um brasileiro), dos projetos cenográficos, de figurinos e aprovaríamos (e indicaríamos) elenco, resultados etc. Também era nossa responsabilidade a gravação em sistema de broadcasting, edição de vídeos, sua exibição no Brasil, distribuição gratuita etc. Para o segundo título, convidamos o Maestro Isaac Karabtchevsky, então regente titular do Teatro Municipal de São Paulo, que, por inúmeros compromissos, não pode se comprometer com a continuidade do projeto. Seu assistente, o regente Luiz Fernando Malheiro, é convidado então para reger Fosca (novembro de 1997) que também a regeria em projeto da Funarte que acabou não acontecendo. No ano seguinte (novembro de 1998), Malheiro também rege a nossa versão de Maria Tudor.

Com nossos patrocinadores, trouxemos Fosca para São Paulo com toda a companhia de Sofia (cerca de 150 pessoas) em abril de 1998, inclusive a orquestra búlgara regida pelo mesmo maestro Malheiro, dividindo recitas com o regente titular da companhia. Com o apoio financeiro do Ministério da Cultura, através da Funarte – Fundação Nacional de Arte, levamos também o projeto para Manaus e Belém.

Em Manaus, encerrava-se o II Festival de Manaus – Opera, Música Sinfônica, Ballet & Jazz. Este festival foi, até onde nos consta, idealizado pelo violinista alemão Michael Jelden que com apoio do Governo do Estado e empresas locais conseguiu viabilizar os dois primeiros anos.

Neste mesmo ano, o Maestro Júlio Medaglia criara a Orquestra Amazonas Filarmônica, um velho sonho de Amazonino Mendes, o governador à época.

O Secretário de Cultura Robério Braga entusiasmado com os resultados de público de Fosca, com a organização e aspectos gerais artísticos e de produção, solicitou-me que estudasse a possibilidade de dar continuidade ao Festival de Manaus já que se encontrava insatisfeito com algumas características do projeto, tendo rompido com os gestores anteriores. Lembro-me ter relatado a ele que já estávamos estudando mecanismos para produzir um festival de ópera no Brasil e que seria excelente termos a oportunidade de reformular o festival existente, desde que não mais apresentássemos jazz, dança e outras atividades como o programa realizado até então. Faríamos se concentrássemos em Ópera. O Secretário Robério propôs que planejasse da maneira que me parecesse melhor, desde que tivéssemos resultados artísticos de qualidade, com visibilidade nacional e fora se possível.

Foi assim que em poucas semanas, apresentamos um projeto do I Festival Amazonas de Ópera que, por decisão do Secretário de Cultura, passou a ser o III Festival Amazonas de Ópera, unificado às iniciativas anteriores.

A Orquestra Amazonas Filarmônica, mantida pelo Governo do Estado, foi cedida por seus titulares (Maestro Júlio Medaglia em 1999 e Marcelo Stasi em 2000) para o Festival do qual fui o Diretor Geral nos dois primeiros anos e Rosana a Diretora de Produção. Malheiro assinou as direções musicais dos títulos que regeu. Netes dois anos que participamos o festival teve ainda Marcelo Fagerlande com seu grupo de câmara e o Maestro Karl Martin regendo um dos títulos. 

As edições seguintes já não teriam nossa participação, com o Maestro Malheiro assumindo a titularidade da Orquestra Amazonas Filarmônica.

Em 2002, a convite do Governo do Estado do Pará, do então Secretário de Cultura Paulo Chaves, criamos e, nos anos seguintes, passamos a realizar, o Festival de Ópera do Theatro da Paz, em Belém, com vários intérpretes nacionais e internacionais à frente da Orquestra: Maestros(4) Júlio Medaglia, Patrick Shelley, Matheus Araújo, Barry Ford, Karl Martin, Henrique Lian, Abel Rocha, Sílvio Viegas, Flávio Florence, Roberto Duarte.

Estes fatos, somam-se ao texto de João Marcos Coelho ao concluir citando  os “poderes extramusicais necessários para (o regente) trabalhar no pódio com alguma tranquilidade”.

Da mesma forma que o Festival Amazonas não foi iniciativa de um regente, mas de um Secretário de Cultura que detectou a necessidade de um salto de qualidade com novos parceiros, ou o Festival do Theatro da Paz, por orientação e visão de outro Secretário de Cultura, outras situações têm história semelhante:
a OSESP teve John Neschling, mas também o Secretário Marcos Mendonça, Roberto Minczuck, Cláudia Toni e vários colaboradores também importantíssimos para os resultados; o reconhecido Ira Levin conduziu a Orquestra do TMSP de forma brilhante, num momento muito particular, sob a gestão de Lúcia Camargo, com a série de Câmara do Henrique Lian, com o Ivo Rosseti arrumando recursos financeiros (além disto, quantas vezes não se buscou de graça, tecido para figurinos na sua fábrica?) e vários outros exemplos.

O próprio Neschling ao encerrar suas atividades na Cia de Ópera que acabara de criar, aponta problemas. Com isto o maestro, admite nas entrelinhas que não bastam o regente, a equipe teoricamente capaz que reuniu, o apoio financeiro e institucional que obteve do Ministério da Cultura, mas outros fatores que inviabilizaram a iniciativa como havia imaginado. Certamente, aspectos aparentemente simples, mas cruciais como o suporte adequado a tarefas tão necessárias ao desenvolvimento da Cultura.

Estes fatos e outros passam pouco a pouco para a arqueologia da ópera e da música erudita, mas não deixa de ser importante entender que – mesmo em condições desfavoráveis – no passado, vários gestores conseguiram bons resultados. O que não significa que os modelos anteriores de gestão sejam ainda adequados. Guardada a memória de pessoas e experiências positivas, preguemos a modernização de procedimentos, a visão global e convergente das atividades culturais, a preservação dos bens públicos, a ética, a transparência, a preservação do interesse coletivo.

O que se deseja de fato é que as gestões se profissionalizem, os administradores sejam sensíveis, que a cada vez mais tenham a visão do conjunto que, por exemplo, representa o TMSP onde convivem ópera, dança, escolas e museu, sem considerarmos os desdobramentos naturais e esperados de uma estrutura moderna e numa das maiores cidades do mundo.

Boa sorte ao maestro Abel Rocha e, parafraseando João Marcos Coelho, que os poderes extramusicais se unam a favor da música de qualidade.



(1) Analise publicada na edição de 16 de Fevereiro do jornal o Estado de São Paulo. Infelizmente não encontrei o link do texto integral.
(2) Recitais realizados em várias cidades. No lançamento, em Campinas, uma orquestra arregimentada foi conduzida pelo Maestro Diogo Pacheco, tendo Rosana Lamosa como solista. Os recitais itinerantes foram feitos com piano e vários solistas nacionais.
(3) o incentivo entusiasmado à realização do projeto e decisão de patrocínio foi de Gilberto Biojone, então executivo do Banco Sudameris.
(4) O maestro Ira Levin também participou do festival realizando um concerto como pianista. 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Carlos Gomes no Mapa do Brasil (33)

Honorato + Caninana
Rui de Carvalho
Ele nasceu em Vila Pinhal, hoje Itaara, no Rio Grande do Sul. Em tupi-guarani, Itaara significa pedra alta ou altar de pedra. Em Tupanciretã (terra da mãe de Deus), também no Rio Grande do Sul, fundou dois semanários.

Um dia
hei de morar nas terras do Sem-fim
vou andando caminhando caminhando
me misturo no ventre do mato mordendo raízes

Cobra Honorato é um poema modernista. Nele Cobra Honorato sai à procura de sua amada, a filha da Rainha Luíza, na Floresta Amazônica. Depois de tudo Cobra Norato volta para o Sem-fim, para as terras altas onde a serra se amontoa. Leva consigo a noiva, para estar com ela numa casa de porta azul pequininha pintada a lápis de cor. É lá que ele espera pela gente do Caxiri Grande, por Joaninha Vintém, pelo pajé-pato, por Augusto Meyer e Tarsila, por todo povo de Belém, de Porto Alegre e de São Paulo para a festa de casamento que há de durar sete luas e sete sóis.

Cobra Honorato é poema de Raul Bopp e se passa nas terras amazônicas. Lá em Manaus, no Bairro da Compensa, tem uma Rua Carlos Gomes. Em Belém, ladeando o Theatro da Paz tem outra. Em São Paulo, a Rua Carlos Gomes fica no bairro do Tucuruvi. Já em Porto Alegre é uma Avenida.

Em Itaara ou em Tupanciretã, infelizmente, não tem Rua Carlos Gomes. Nem Avenida, Praça, Alameda, Travessa ou Vila. 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Dilemas Contemporâneos da Cultura (59)


Não existem conceitos absolutos e estanques, é claro, mas, de um modo geral, no Brasil, a ópera é arrogante. Obviamente não é a ópera - o gênero - mas a maneira como a ópera se apresenta. 
Vamos pensar um pouquinho?
De que maneira as pessoas que trabalham na área se preocupam com seu futuro? 
São raros os profissionais pensando estratégicamente a maneira como se fará ópera nos próximos 20 anos no nosso país. 
A impressão que se tem é que tudo está na dependência de uma solução que virá num estalar de dedos, da terceira dimensão mais próxima. 
Mais ou menos como alguns pais que colocam seus filhos na escola e esperam que venham prontos para casa não lhes cabendo nenhum papel na sua formação.
É um horror. 
Hora, vamos refletir. O cenário não é inovador faz tempo. Como se pode desejar que a ópera "volte" a ser sucesso de público se muito pouco se faz para criar diálogo com platéias. Vou repetir: diálogo.
Ao mesmo tempo, temos situações pouco confortáveis.
A ópera é um espetáculo grandioso por si. Como é possível a diretores criarem um bom espetáculo com menos de seis meses de antecedência da estréia. Excluindo os três ou quatro que conseguem soluções rapidas, criativas e viáveis, o resto é uma tragédia. No entanto, estamos cansados de ouvir falar de estréias miraculosas ao sabor de  soluções primárias.
Fico nisto por enquanto. 
Se não se consegue um mínimo de planejamento e seriedade no trato destas questões elementares de produção, o que se dirá do esforço de atrair novos espectadores?

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Dilemas Contemporâneos da Cultura (58)

O jovem baco - 1884 (*)
William-Adolphe Bouguereau

É sempre uma boa surpresa quando somos brindados com uma coisa nova.

Aliás, brinde é a palavra mais adequada ao tema que trato hoje neste blog.

Vem de Manaus, um brilhante trabalho que recebi - felizmente incluído entre os poucos felizardos - de um dos mais brilhantes pensadores da música popular no Brasil: Edson Gil Costa. 

Provavelmente, você, leitor, não ouviu falar dele e, Costa irá me ligar dizendo que exagerei (olha, Edson, não precisa ligar, tá?). Mas é assim que o reconheço: brilhante. 

Costa integra o CDF, uma sigla bastante apropriada para designar o Clube dos Discófilos Fanáticos, um grupo de amigos que se reúne com freqüência para conversar sobre a Música Popular Brasileira.

Recebi um exemplar de um livrinho que ficou aqui amadurecendo desde início de 2010. Trata-se de um delicioso exercício de associação entre a música e o vinho.

Como diz no título complementar são "considerações muito pessoais sobre harmonização enomusical".

O neologismo fundamenta "algo para o qual simplesmente não existe fonte de pesquisa. [...] A harmonização entre eles (prazeres enológicos e musicais) pode ocorrer por antagonismo, mas nunca, nunca mesmo, pela indiferença". 

Após este discurso sobre o método, o livro nos informa que são cerca de 24.000 nomes para mais de 3.000 variedades de uvas viníferas. Destas, 150 são plantadas comercialmente.

Considerando que além de vinhos, no planeta existem inúmeros compositores e que os adjetivos "elegante, exuberante, chato, complexo, simples, austero, fechado, fresco e radiante" servem tanto para vinhos como para compositores, o autor selecionou 23 uvas brancas e 23 tintas que considera as mais interessantes e conhecidas, experimentou todas e harmonizou com 55 compositores (um se repete, pois se harmoniza com duas uvas) que tiveram 56 canções interpretadas por 56 intérpretes. 

Desta complexa avaliação, nasceu um livro delicioso que me permito apresentar a vocês em uma única taça.

Para que ninguém me chame de parcial, escolhi a primeira harmonização das uvas tintas que aqui reproduzo.

A uva escolhida a Cabernet Sauvignon cuja característica é ter bagos escuros e pequenos, casca espessa e pouca polpa. Aromas de cassis e pimenta, cerejas negras e grafite. Produz vinhos austeros, tânicos e muito coloridos quando jovem, mas, quando amadurecidos, tornam-se macios, equilibrados, longevos e fabulosamente complexos. Tem maturação tardia. Cor vermelho-escura com nota violácea em sua primeira juventude, que se torna vermelho tijolo com o tempo. Junto com a Cabernet Franc (sua prima) e Merlot formam o princípio do corte bordalês.

Apresentada a uva, principais referências, vinhos e origens, Costa apresenta o comentário enomusical: Cabernet Sauvignon considerada a rainha das tintas, é uma uva pequena e que se adapta muito bem em inúmeras outras regiões do mundo, produzindo belos e interessantes vinhos sem perder suas características principais. Esta uva, quando produzida dentro de suas melhores condições e sem misturas, apresenta vinhos intensos e de aromas bem pronunciados. Exatamente como a música de Tom Jobim que consegue ter interpretações maravilhosas em qualquer canto do Velho e Novo Mundo.

A música sugerida para esta harmonização é Dindi, de Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim.

Qual do Dilema? Beber e ouvir vinho e compositor favorito, ou refletir sobre como identificar e trazer a público o que de inteligente e universal se produz no anonimato (quase) no Brasil.


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Dilemas Contemporâneos da Cultura (57)


Hoje estou "perturbado", com a "macaca", da "pá virada", de "ovo atravessado". Se você tiver mais designativos semelhantes, mande, pois é sempre bom aprender coisa nova.
Comecei assim para me antecipar ao fato já que eventualmente um ou outro irá dizer que estou "com um outro destes ataques aí de cima". Só para não esquecer, não "dou piti", "ataque" ou coisa parecida. 
Lembrando o Millor Fernandes, "chato é o sujeito que não pode ver um saco vazio".
Pois é: estou cansado dos chatos de plantão. 
É impressionante o que tem de gente chata à espreita de uma oportunidade para dar um pitaco. Vejam alguns exemplos.
Prestem atenção e observem quantos são capazes de dizer sem a menor base que não há público para a ópera, para a música erudita. Que as empresas não patrocinam, porque não há qualidade. Vejam o que já foi dito de bobagem sobre a OSESP, salários de maestros. Sobre o Teatro Municipal de São Paulo então... 
É preciso entender que não foi falta de público, falta de dinheiro para patrocínio, falta de teatro o que levou à derrocada da Cia de Ópera do famoso maestro e seus parceiros. Eles mesmos disseram que tiveram público, tiveram dinheiro, tiveram teatros. Portanto, o problema é interno, coisa deles, entre eles e da maneira como dirigiram o negócio. Se tivesse dado certo como seria o ideal, tudo estaria perfeito. Como deu errado, a culpa é dos outros e, o que é pior, um monte de gente querendo "ajudar" dizendo com a maior cara de pau coisas das quais não entendem uma vírgula... Tsc, tsc, tsc...
A mesma coisa, o Municipal. O Teatro está lá, as obras em andamento, vai inaugurar em 3, 6 meses, 1 ano ou 2. Eles estão trabalhando, fazendo do jeito que acham certo, ninguém sabe direito quais as dificuldades. Posso não concordar com a estratégia, com o modelo adotado, com isto ou aquilo, lamentar o fenômeno, até ser contra esta ou aquela pessoa. Mas daí a sair batendo, dizendo qual a solução, dizer quem deve ocupar este ou aquele cargo, é um palpite de chato. 
Está cheio de gente que começa a crítica dizendo "se fosse eu, faria isto, isto e isto".
Habilitem-se chatos. Está cheio de cargos precisando de gente que faça direito.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Dilemas Contemporâneos da Cultura (56)

Pandora - 1896
John William Waterhouse (1830-1905)

Tenho um amigo que há muitos anos quando começa a desenvolver um tema muito amplo cita a frase de abertura de  antigo vídeo de treinamento: "No princípio era o Caos".

Pois é, parafraseando este amigo, no princípio era isto mesmo. Do Caos grego tudo foi criado e lá pelas tantas , Hefesto (deus do fogo, dos metais e da metalurgia) e Atena (deusa da guerra, da civilização, da sabedoria, da arte, da justiça e da habilidade) auxiliados por todos os deuses e sob as ordens de Zeus, criam Pandora, a primeira mulher.  Cada um lhe deu uma qualidade. Recebeu de um a graça, de outro a beleza, de outros a persuasão, a inteligência, a paciência, a meiguice, a habilidade na dança e nos trabalhos manuais. Hermes, porém, pôs no seu coração a traição e a mentira. Feita à semelhança das deusas imortais, destinou-a Zeus à espécie humana, como punição por terem os homens recebido de Prometeu o fogo divino e por aí segue a lenda ora contemplando a mulher com predicados absolutos, ora punindo-a pelos sujeitos a quem teve que se associar. 
Não tivesse Pandora casado com Epimeteu e este não tivesse em casa uma caixa fechada que ganhara dos Deuses contendo todos os males(*), talvez os homens fossem diferentes. 

Pandora tinha muitas qualidades e uma delas, a curiosidade, foi o comportamento manifesto que levou-a a abrir a caixa e deixar que todos os males escapassem. Não vou entrar no mérito da lenda e a discussão sobre a esperança. 

O valor simbólico oriundo desta prosa está na capacidade que os homens têm de destruir o que poderia ser muito bom ( a inveja de si próprio como procuro propagar ).

Há outra explicação que não a caixa de Pandora a justificar o desrespeito aos direitos autorais, a omissão de créditos de autoria, ao não cumprimento de contratos, à demora e até mesmo o não pagamento por trabalhos realizados, às ameaças veladas para não se comentar publicamente o furto de idéias, a prática desleal de cópia de projetos, a fragilidade das relações comerciais na atividade cultural?

Como justificar a falta de ética nas relações sem lembrar dos gregos?


(*) Fico sempre me perguntando por que raios os tais deuses teriam dado a Epimeteu uma caixa com todos os males? 
Está certo. Este tema dá margem a mais algumas semanas de texto.