sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Uma agenda para ópera.

Cleber Papa - 2008


Cada um monta como quiser sua companhia de ópera, não é verdade? Para isto existe a livre iniciativa.

Por outro lado, como é minha proposta pensar a Cultura no Brasil a partir da visão mais abrangente possível da nossa realidade, não posso deixar de refletir e questionar o projeto de ópera lançado nas edições de hoje da Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo. Afinal, no lançamento estavam reunidos o Exmo. Sr. Ministro da Cultura e o maestro que empresta seu prestígio ao projeto.

Não fosse a presença do Ministro, não despertaria nada além da minha eventual curiosidade profissional, uma vez que seria um lançamento de um produto cultural qualquer, no caso, uma série de eventos sob o guarda-chuva de uma provável companhia de ópera, com certo cacoete mercadológico.

Não fosse a figura do polêmico maestro, provavelmente esta conversa não sobrevivesse a pouco mais de algumas linhas considerando inclusive o que foi apresentado comedidamente pelos veículos de comunicação. Primeiro, vamos a isto.

Com é prática nos veículos sérios, as aspas dizem muito. Como por exemplo, vender o tal produto com um desenho animado projetado no fundo do palco que "produzirá efeitos cênicos de grande comicidade e teatralidade inalcançáveis em encenações convencionais" (Revista Concerto -http://www.concerto.com.br/contraponto.asp?id=373http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091113/not_imp465668,0.php).

Respeitado o direito de opinião, de criação e de julgamento dos donos do projeto, acho lamentável que uma companhia que se propõe de formação ou coisa parecida, negue de saída a essência da própria ópera que é a capacidade ilimitada de criação dos encenadores. Esse ranço autoritário da supremacia do saber me parece incompatível com os interesses das artes no Brasil. A citação em referência e o próprio contexto que envolve algumas afirmações do projeto conforme explícito nas matérias dos principais jornais, também soam de análise demasiadamente curta.

O que está em torno desta questão é muito mais complexo, entretanto. Considerando a abrangência da Cultura Erudita e sua condição de instrumento de formação por excelência, sua capacidade de estimular o pensamento e de criar mecanismos de entendimento do sentido de nossa identidade, estamos discutindo - e é isto o que interessa para o país - quais são os modelos e formas de inclusão, de que maneira vamos criar parâmetros sustentáveis para a rede econômica da Cultura, de que forma as empresas privadas podem e desejam contribuir para este processo.

Em 10 anos o Brasil mudou. A dinâmica é outra. Estamos projetando, desejando, instituições modernas, sem ranços individualistas, sem autoritarismo ou paternalismo. Nosso exercício diário é perceber onde os modelos antigos se repetem e isto não nos interessa. Precisamos construir a confiança nas pessoas e nas instituições.

Citando o economista Partha Dasgupta (Economia - Ed. Ática), "a falta de cooperação não requer tanta coordenação quanto a cooperação. Para cooperar as pessoas precisam não só confiar umas nas outras como também organizar-se por uma norma social que todos compreendam. É por isto que é muito mais fácil destruir uma sociedade do que construí-la". A Cultura vive este desafio tanto no plano macro, quanto no micro-econômico. Aliás, no post anterior, refleti um pouco sobre outros aspectos desta questão.

Ficarei somente nisto po renquanto. Volto ao foco e interesse deste texto.

A presença do Ministro é justificada pela frase "estamos sim devendo uma política sistemática para o setor" (O Estado de São Paulo http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20091113/not_imp465668,0.php ).

Aqui reside o seu mérito pessoal nesta história e a ópera fazendo parte da agenda de governo, muito embora ainda convivendo com certa ópera "Made in Brazil" (http://www.cultura.gov.br/site/2009/11/12/opera-made-in-brazil/).
Ressalte-se também que a Funarte, com Sérgio Mamberti e seu diretor de Música Cacá Machado já têm dado muitos sinais de uma intensa preocupação com o segmento da música erudita e ópera e possuem um canal de diálogo aberto com o setor.

Porém de fato, falta ao Governo Federal um programa estruturante para a área da ópera.

Volto a insistir na necessidade urgente de se discutir uma política consistente para a ópera no Brasil. Volto a cobrar posições sólidas do Ministério nesta área como já expressei em várias cartas e pessoalmente em reunições em alguns Estados.

Não nos basta fazer eventos que acontecem aqui e ali para sobrevivência do setor. Tenho comentado nos últimos posts as posições recentes do Ministro Juca Ferreira e minha concordância com vários argumentos e perspectivas que são do nosso interesse como artistas, produtores e platéia. E continuarei fazendo isto.

O Brasil mudou, está mudando. Buscamos qualidade, respeito aos artistas, queremos pensar o futuro. Somos sérios, orientados para o bem estar público, queremos um Estado que nos dê respostas e que discuta processos, mecanismos. Não somos um só. Somos um grupo, uma sociedade, cidadãos preocupados com o caráter associativo, organizacional de base. Estamos prontos para discutir e - aonde não estivermos - prontos para nos prepararmos para este futuro que virá, que já bate nas nossas janelas.

Ao contrário do que disse o maestro, segundo o jornal O Estado de Sâo Paulo, o Ministério da Cultura precisa criar políticas, precisa pensar programas. O papel dos artistas, criadores, produtores é colocar isto em discussão e de forma republicana, desenvolvendo e propondo práticas sintonizadas com o interesse coletivo.