quinta-feira, 18 de março de 2010

Dilemas contemporâneos da Cultura (4)

O Circo - Georges Seurat


Antes que o Joatan reclame com toda razão que minha visão de Cultura e dos seus dilemas são apenas resolvidos no âmbito do EStado, cabe antecipar a abrangência dos temas que pretendo abordar aqui. Na minha opinião, a Cultura não se resolve apenas na esfera estatal pela simples razão de se tratar de um complexo que envolve a criação artística, técnicos, entidades privadas, fornecedores de insumos e serviços, e os consumidores de bens culturais incluindo neste grupo empresas, entidades e pessoas físicas que os utilizam como forma de valorizar suas marcas, para cumprir estratégias de relacionamento, objetivos sociais e obter benefícios fiscais.

Mas vamos por assuntos e aos poucos.

É inegável a encessidade do Estado forte para garantir franquia de direitos e que os recursos financeiros disponíveis sejam utilizados em benefício da Sociedade, de forma republicana, permitindo a fruição de bens, o aperfeiçoamento da produção e geração de novos bens, a manutenção e ampliação de estruturas de difusão.

Dentro de algum tempo será voada a Proposta de Emenda à Constituição de nº 150 (PEC 150-2003) definindo percentuais fixos obrigatórios do Orçamento da União, Estados e Municípios para a Cultura.

Só para termos uma idéia, o Congresso Nacional vem gradativamente aprovando acréscimos no orçamento da União para a Cultura em volumes de dinheiro ainda aquém das necessidades (e possibilidades) reais do país. Saímos de um patamar em torno de 0,3% para 1% neste ano, o equivalente a algo em torno de 2,5 bilhões*.

Com a PEC 150, teremos, vinculado para a Cultura, 2% no orçamento da União, 1,5% nos EStados e 1% nos Municípios, sendo que o Governo Federal terá que disponibilizar parte dos valores que lhe cabe para ações integradas com os Estados. Para quem não sabe, vincular determinado valor a determinada atividade economica significa obrigar o gestor público a utilizar o recurso naquela atividade. Em acontecendo, viveremos um salto qualitativo impressionante no Brasil. Imaginemos a importância de cada municipio brasileiro ter pelo menos 1% do orçamento destinado a atividades culturais.

Há quem diga que é um absurdo obrigar o administrador público a trabalhar com recursos predeterminados para a Cultura quando há carências em várias áreas, ou que é inaceitável ver um governante não podendo colocar em prática suas idéias porque estará engessado pela vinculação do orçamento da Saúde, Educação e agora Cultura... Pois o conceito é exatamente este: evitar que determinado gestor, sem qualquer interesse por determinada atividade, faça o que bem entender com o dinheiro público.

As forças políticas que possibilitam a governabilidade são muito complexas e os interesses são os mais variados possíveis. Muitas vezes o Governante culto, com visão de futuro é obrigado a ceder nas questões orçamentárias aos interesse políticos que o levaram ao poder. Neste caso, a vinculação o protege e permite que desenvolva programas de interesse da sociedade e a favor de suas convicções. Na contrapartida, o Governante inculto ignorante também será obrigado a obedecer a lei e convencer-se da necessidade de destinar os recursos previstos para a atividade cultural que, em primeira análise, é do interesse de toda a sociedade - a grande beneficiária da vinculação. Imaginemos o aprendizado para todas as forças que compõem este xadrez.

Apesar da lei, a União, Estados e Municípios não devem se restringir a estes percentuais. Espera-se que os números aumentem na medida do entendimento dos significados economicos da atividade cultural.

É bem provável que a votação desta emenda e outras em curso esteja ainda distante, mas o processo é inevitável, pois as demandas públicas são claras, há um bom consenso entre as várias correntes políticas e, mais dia, menos dia, veremos sua aprovação.

Enquanto isto não acontece, a sociedade precisa se preparar para isto.

Discutir e propor caminhos é o objeto deste espaço.


*fonte Ministério da Cultura.