quarta-feira, 3 de março de 2010

Dilemas contemporâneos da Cultura (1)

foto por Sérgio Righini

Não é de hoje a preocupação de como promover a produção cultural de forma sustentável e isto ganha contornos de urgência como se as necessidades atropelassem os fatos, tornando inevitável o ajuste dos processos de gestão. É hora da eficiência e eficácia.

No passado recente chegou-se à chamada Lei Rouanet com um tripé fazendo todo o sentido se a prática tivesse favorecido sua implantação. O sistema híbrido com o Estado desenvolvendo políticas com o Fundo Nacional de Cultura, o mecenato atrelado à renúncia fiscal e o empreendedorismo ativado por mecanismos acionários, parecia ser a solução mais adequada, não se deixando de lado os empréstimos bancários a juros subsidiados e variações. As questões econômicas do período inicial impediram que o sistema avançasse desta maneira e ainda hoje não temos uma solução satisfatória colocada em prática.

O dilema permanece portanto. Como produzir Cultura atuando em equilibrio com as demandas políticas do Estado e da Sociedade, modificando o caráter tutelar e ao mesmo ampliando os níveis de inclusão para a Cultura e na Cultura? Qual será o modelo adequado, consideradas as experiências nacionais e as práticas internacionais?

Não há dúvida que os Fundos Nacionais são necessários para estimular repostas às demandas do processo de formação e da franquia de direitos. É também certa a necessidade de uma participação maior das empresas e a compreensão do caráter estratégico de se produzir cultura de qualidade uma vez que isto se reverte para o próprio mercado na medida em que favorece o desenvolvimento humano, aperfeiçoa os sistemas de consumo. Nesta mesma linha, é importante a ação cinérgica do Estado com a concessão de incentivos escalonados, tendo em vista a própria rede produtiva da Cultura, a participação das atividades criativas no PIB, entre outros aspectos. Finalmente, as fontes regulares de financiamento e o desenvolvimento de canais consistentes e alternativos de obtenção de recursos (supressão ou garantias alternativas nos empréstimos, seguros, modelos compensatórios de negócios etc.).
Resta ainda uma questão operacional complexa, consideradas as dimensões e peculiaridades do território nacional, as desigualdades entre os Estados (de carater econômico, de infraestrutura instalada, de recursos humanos e mesmo da compreensão da amplitude do problema) e os perfis multiplos entre os Municipios.
De um lado a própria Sociedade exige maior participação, transparência pública, reformas e melhorias dos sistemas de políticas Educacionais, Sociais, Ambientais e de Cultura e de outro a Produção Cultural reivindica justo reconhecimento face aos crescentes entendimento e constatação de sua dimensão econômica.

Estas demandas são específicas e afetarão em maior ou menor teor a condução das políticas públicas a partir dos municipios, sendo necessários mecanismos urgentes de adequação sob o risco de não se construir as bases sólidas que o país e o bom senso exigem.

Na maneira como os Municipios se prepararão e se articularão com os Estados está a o selo estratégico de bons resultados futuros. Cabe aos Estados desenvolver programas que universalizem e estimulem o Desenvolvimento Cultural sendo a força motriz e integradora dos Municipios no processo. Estes por sua vez, precisam fazer a lição de casa.

Voltarei ao tema.

terça-feira, 2 de março de 2010

Carlos Gomes no mapa do Brasil (2)

Relógio Patek Phillipe pertencente
ao Maestro Carlos Gomes
Nesta semana o canal Globo News exibiu um programa especial sobre o compositor Carlos Gomes. Apesar da pesquisa e captura de imagens em várias locações no Brasil e na Itália, infelizmente a abordagem se manteve numa tristeza de fazer dó, como se Gomes tivesse vivido em desgraça todo o tempo. Ora, Carlos Gomes saiu do Brasil em 1863 e viveu 33 anos na Itália e, seguramente, não foi em regime de mendicância. Teve as dificuldades de um homem do seu tempo. Foi criativo, viril, reconhecido e deve ser lembrado principalmente pela qualidade de sua obra que incluiu operas, cantatas, missas e mais de uma centena de canções e modinhas. O mais é uma inversão de valores.

Mas vamos ao Mapa.

O Rio Grande do Norte é um belissimo Estado Brasileiro. Sua capital, Natal, possui vários municípios vizinhos e entre eles São Gonçalo do Amarante. A população de São Gonçalo é tão religiosa que a cidade possui 42 santos padroeiros.

A Rua Carlos Gomes em São Gonçalo do Amarante possui 10 quadras bem traçadas ao lado da BR 101. E está lá como uma memória permanente do autor de Uma paixão amorosa, sua primeira composição para piano.

Em breve falarei sobre o "Choro Guarani", em material inédito que me manda Mariana, de Alvinópolis-MG.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Nota de Rodapé (1)

CARMEN
espetáculo baseado na ópera homonima de G. Bizet
Santos - Janeiro de 2010


Está em curso a análise do Sistema Único de Cultura, uma proposta de emenda à Constituição que prêve um sistema de compartilhado de gestão da atividade cultural no Brasil.

Veja as propostas e acompanhe a movimentação na Câmara dos Deputados em Brasília através do site http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/EDUCACAO-E-CULTURA/145273-COMISSAO-DO-SISTEMA-NACIONAL-DE-CULTURA-DEFINIRA-PLANO-DE-TRABALHO.html . Nele você encontrará os detalhes da PEC-416-2005 e todo o seu andamento até aqui.

Esta é mais uma questão polêmica que envolve a participação conjunta do Ministério da Cultura e os organismos correspondentes nos Estados e Municipios.

O fato positivo é que estão sendo discutidas ações que poderão ser estruturantes para o investimento e criação de fontes de financiamento para a produção cultural.

Não deixe de ver.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Direitos e inclusão em debate.

Eleanor Roosevelt e cópia da Carta.
Direitos Humanos - 1948



"Os Direitos do homem e as liberdades fundamentais são um direito adquirido pela pessoa humana; a sua protecção e promoção constitui a primeira responsabilidade dos Governos".

Temos urgência no entendimento destas questões, principalmente no que se refere à inclusão cultural no Brasil.

A meu ver a grande oportunidade de debate e ação que se estabelece está no equilibrio entre os canais clássicos de inclusão e os novos canais decorrentes de uma maior percepção do espectro dos direitos principalmente culturais.

Se os canais clássicos - os sistemas públicos (de transporte, saúde, moradia, segurança, seguridade social e, entre outros, também educação e cultura) - deram conta até aqui em determinados limites, serão as novas possibilidades que garantirão a ratificação plena da cidadania.

Os novos canais referem-se à ação a partir de politicas economicas, sociais, culturais e ambientais, com maior controle social, seja sobre o "mercado", seja sobre o próprio Estado. Isto é inevitável em condições normais e republicanas, referenciando-se como processo natural de desenvolvimento social.

É perceptível no Brasil uma espécie de nova ordem econômica em que indivíduos passam a ter maior acesso a receita e renda, ampliando de forma ainda inquantificável as perspectivas de consumo em vários níveis, inclusive, e principalmente, de bens culturais.

Os investimentos em Educação e as decorrências são irreversíveis. Não dá para sequer imaginar o inverso e me recuso a sequer cogitar outras hipóteses.

O Brasil terá uma população melhor educada e com maior capacidade financeira de acesso aos bens culturais, buscando, como é de se esperar, ampliar seus horizontes através de maior leitura, do consumo de cultura erudita, das artes.

O entendimento de como será o novo sistema de políticas sociais e culturais, de que maneira deverá o Estado (nos âmbitos Federal, Estadual e, principalmente, Municipal) se organizar e rever seus sistemas burocráticos e de valores é a nova agenda.

O novo dilema contemporâneo extrapola a extensão dos direitos à simples (veja só!) questão econômica como vista até recentemente: o problema se amplia à construção de laços sociais, da responsabilidade das empresas (futuro em risco!), da multidisciplinaridade no âmbito da gestão pública, da democratização e transparência do acesso à informação.

Os municipios, e a partir deles, precisam se organizar com urgência. Esta visão estratégica será necessária para a sobrevivência dos gestores atuais. Lembremos que o processo é irreversível. Sempre haverá novas lideranças em gestação com novos parâmetros e a própria sociedade se alimentará neste processo. Portanto, o mais saudável é que se busque o aperfeiçoamento conjunto.

É fundamental que se tomem medidas para reversão das desigualdades e este processo se dará pela compreensão dos direitos e pela ação na busca de soluções que permitam uma maior integração das políticas públicas nas areas de convergência.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Sistemas de valores às avessas!

Le tricheur a L'as de carreau
Georges de la Tour


Sem exagêros, alguma coisa está errada além daquelas que já estão muito erradas.

Vamos lá. O que me interessa - e a você leitor - o que acontece com a vida privada de um famoso jogador de golfe? Não é esquisito ver uma intimidade que não nos diz respeito exposta a outras milhares de pessoas em todo o mundo "sob o patrocínio" da marca que empresta milhões de dólares ao esporte? Parece haver aí uma demonstração descomunal de forças e uma submissão desumana.

Não me venham com teorias de marketing para explicar o processo todo, pois as conheço muito bem e de cabo a rabo. Não me interessa, mas um olhar mais aprofundado, em outros tempos, concluiria que isto empresta mais valores negativos do que o inverso.

Da mesma maneira, acreditar em excesso de divulgação de doações humanitárias tem o mesmo peso quando se imagina um velhinho de barbas brancas, de roupinhas vermelhas descendo pela chaminé. Traduzindo: acho muito estranho celebridades internacionais em festejos de Momo, se meterem a divulgar que estão arrecandado ou doando fundos para instituições. Desconfio destas coisas, pois vejo valores na doação anônima ou no mecenas que não manda a fatura.

Não é um absurdo torcidas* organizarem brigas de rua com toda a sorte de violência, num momento em que o mundo inteligente pede paz? Ou um jogador (por acaso brasileiro) ser ameaçado de morte porque mudou de time na Sérvia? Não dá.

A Áurea, que me escreveu sobre este tema, e você, leitor, poderão, sem dúvida, levantar mais uma tonelada de exemplos na história recente.

No que nos diz respeito, precisamos ter consciência de que vivemos uma batalha dificílima contra valores que pouco a pouco criam forma, misturam-se devagar com nossos cabelos, pensamentos e, quando nos damos conta, resultam numa massa alienígena nos engolindo pelas tripas.

Se a imagem acima é digna de um filme de terror B, nossa reação a isto precisa estar em outro patamar.

Temos que usar a unica ferramenta de que dispomos: nossa capacidade de pensar e dissernir sobre o que nos interessa e que legado pretendemos para nossos descendentes.

Só há saida pela educação e cultura. Precisamos de união em torno de idéias e valores éticos. Devemos enfáticamente negar a decadência. Só devem nos interessar o respeito, a confiança, a qualidade, a lealdade, o diálogo, a ética na vida e nos negócios.

De outro jeito precisaremos prestar contas do que bebemos, comemos, como dormimos, como pensamos.

E isto, não interessa.


*este blogueiro sempre torceu para o São Paulo, gostando de ver o Ronaldo nos jogos do Corinthians, os valorosos "meninos" do Grêmio de Porto Alegre, o Cruzeiro em Minas, o Botafogo no Rio. Doravante, não mais torço para time nenhum. Não dá para encarar a mediocridade que cerca o esporte.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Carlos Gomes no mapa do Brasil (1)

Rua Carlos Gomes em Milão- itália
by Rosana Caramaschi



Esta foto é emblemática. Carlos Gomes* é nome de rua em Milão.

E no Brasil? Quanto de Carlos Gomes está na nossa memória urbana?

Levantei pouco mais de 150 logradouros, entre praças, ruas, vilas, avenidas, alamedas e travessas em praticamente todos os Estados Brasileiros (somente 3 não "conhecem" o compositor).

A partir desta terça-feira, sempre no mesmo dia da semana, farei um convite para uma visita a um destes lugares.

Proponho ainda que os leitores do blog enviem material iconográfico (fotos, reproduções de desenhos e documentos relativos a Carlos Gomes, sua obra e as ruas que levam seu nome) para o email spimagemcadoper@uol.com.br.

Fica o convite para a participação nesta história.

Hoje, 23 de fevereiro, fica a sugestão para quem visitar o Rio Grande do Sul, dar uma passadinha em São Borja. Na cidade, o mais antigo município do Estado, fundada em 1682, a Rua Carlos Gomes está localizada entre as Ruas Castro Alves e Pedro Américo. Aproveite para conhecer mais sobre São Borja o primeiro dos sete aldeamentos que compõem os Sete Povos das Missões.

*se quiser saber mais sobre Carlos Gomes, visite o site www.casadaopera.art.br .

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sem saudades!

The Adrenalin by MissAniela
Nada mais oportuno do que reiniciar as atividades do blog após mais do que merecidas férias, revendo o que foi o ano que passou.


Ainda embalado pela doce preguiça do ler, ler, olhar, refletir, debater, ler, ler, ler, prefiro reapresentar o texto que escrevi, publicado na edição de Janeiro da Revista Concerto.


Trata-se de uma revisão concisa do ano de 2009 - aquele que não deixou saudades. Vamos lá:




Os livros de Lauro Machado Coelho, Sérgio Casoy, do João Luiz Sampaio, do Marcos Goes, do Márcio Páscoa, a reformulação desta Concerto (a revista chegou às bancas com novo formato) são uma desmonstração aprcial do vigor por que passa o segmento da ópera e da música erudita que se amplia nas áreas de suporte e de pensamento. Mesmo raciocínio vale para a reformulação do Prêmio Carlos Gomes.


Estes esforços de memória são muito necessários para o que quremos ser e ver.


As produções das óperas Macbeth e Menina das Nuvens em Belo Horizonte destacaram-se como atividades de grande porte no ano. É bom, mas é muito pouco em termos nacionais.


Incluindo a crise, os teatros em reforma (Municipal de São Paulo e Municipal do Rio de Janeiro), as dificuldades de patrocinio, os problemas institucionais, adiamentos de programas, a indefinição de políticas nacionais para a ópera, os recursos minguados, para ficarmos apenas nisto, não dá para enxergarmos 2009 como além do razoável.


Ano com tudo para ser de horizontes curtos. Entretanto, para alargar perspectivas, algumas pessoas se uniram e criamos a ACPOESP-Associação dos Cantores e Profissionais de Ópera do Estado de São Paulo que, ao ganhar corpo, acabou abrigando nomes de vários estados dispostos a debater das questões profissionais de ordem prática à percepção do papel do segmento na formulação de políticas públicas. Esta agenda permite, na mais estreita das hipóteses, a discussão da importância do caráter associativo para a Cultura e iniciar um novo processo de abordagem da atividade.


Quanto aos rumos, somos fortes o suficiente para acreditar que temos profissionais capazes de formular programas, encontrar soluções criativas e produzir Cultura no Brasil. Afinal, tudo indica que estamos a um passo do desenvolvimento, não é isto?


Com este texto exorcisei 2009.


Não há escapatória daqui para a frente. São necessários investimentos maciços na Educação, na produção Cultural e sua fruição integrando de forma cientifica as àreas correlatas. Sobre isto pretendo expor e debater muito (Muito!) a partir daqui.


Nós, criadores na área da Cultura, temos muito a contribuir para o desenvolvimento, pois integramos uma matriz revolucionária capaz de modificar pessoas, seu meio ambiente, a maneira como se processam as relações sociais. Somos agentes importantes e nosso conhecimento é precioso e estrátégico.


Somos bemvindos ao futuro.