sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Viva a Ópera! (2)


Cláudia Riccitelli e Martin Muhle em Carmen (*)
espetáculo baseado na ópera homônima de G.Bizet

O ato de escrever o blog é intempestivo. Não há planejamento anterior ou pensamento organizado. Vem da necessidade autoimposta de escrever todo dia, estando ou não com ânimo para isto. É como uma tarefa profissional em que se tem a obrigação de realizar por causa de um compromisso assumido.

No caso, o compromisso é comigo mesmo e a cada dia com mais e mais pessoas que me escrevem nos contatos pessoais, nas redes de relacionamento de que participo ou aqui mesmo como comentário. Este compromisso se reafirma com os seguidores - voluntários - que se dispõem a registrar seus nicknames e a acompanhar o que aqui publico. 

É também um ato solitário na medida em que não se sabe se o que está sendo dito é do interesse de quem lê, ou ainda se satisfaz expectativas.

Esta reflexão leva ao contrário disto: a ÓPERA onde o trabalho é coletivo e seu resultado depende de uma série de fatores, alguns incontroláveis.

Vamos lá. A ópera é um espetáculo. O que parece óbvio, não é tanto assim quando vemos os absurdos que se cometem ao se imaginar que basta juntar um monte de cantores, meia duzia deles apaniguados dos apaniguados dos "gestores" e, como peças de tômbola, embaralhá-los todos num saco de feltro, imaginando que só isto, sem projeto, sem conceito, com direções frívolas, com musica descuidada, se consegue chegar a um resultado que justifique o investimento na maioria das vezes público.

Volto: a ópera é um espetáculo e precisa ser concebido tendo isto em vista. Não importa se com muitos ou poucos recursos financeiros, mas é um espetáculo, um show e tem que ser pensado para platéias que pagarão o ingresso e que voltarão novamente para outras propostas e concepções.

A escala da ópera é gigantesca se assim o desejarmos e na dimensão do que é possível realizar, considerada a casa onde será apresentada. Exemplificando, São Paulo e Rio de Janeiro têm nos seus Teatros Municipais a perspectiva planetária, ou seja, são casas de ópera que precisam funcionar em modelo semelhante a de seus pares internacionais. Para sermos modestos, São Paulo e Rio têm na Bastille, Chatelet, Liceu, Karlsruhe e Dusseldorf/Duisburg seu modelo a ser seguido. Devem no mínimo trabalhar nestas bases ou tê-las em mente. Claro que esta paridade deve ser construída, seja a partir de orçamentos coerentes com o porte e reconhecimento internacional destas cidades, seja com parâmetros artísticos que justifiquem o investimento. Isto serve para tudo, inclusive para casas de menor porte. O que não dá é convivermos com a farsa. É hora de colocarmos a mão nas consciências e passarmos a õlhar de forma madura para o que acontece no nosso segmento profissional.

A hora é esta, pois temos a oportunidade concreta de construir um novo caminho para as artes eruditas. Isto passa por eleições, por debates, mas sobretudo pela clara visão profissional do nosso setor.

(*) Esta foto reúne Cláudia e Martin de forma muito especial. Quanta qualidade, quanta arte, quanta satisfação do trabalho juntos. Ao fundo Mário e Priscila olham com ternura um dos mais lindos duetos que pudemos compartilhar.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Viva a Ópera!

Elenco de Carmen (*)
espetáculo baseado na ópera homônima de G. Bizet

Volto a escrever aqui após um mês. Quase um mês.
Neste retorno abro esta nova coluna e espero que o tema se consolide comemorando a ópera e como um convite a viver a ópera.

Vários leitores e blogueiros têm me perguntado (ou insinuado), porque não escrevo também sobre ópera.
De fato é uma questão complicada.

Sendo um profissional atuante, prefiro muitas vezes calar a falar. Não advogo para mim o papel de comentar o que está sendo feito aqui e ali. Falar mal ou bem não é um ato de coragem, pelo contrário é uma maneira muito simples de chamar atenção e esta vitrine não me interessa porque existem outras mais atraentes.

Sendo assim, usarei este espaço para comentar algumas coisas que tenho feito, a discussão sobre narrativas, modos de produção e correlacionados.

Simbólicamente, inauguro o espaço com a foto do elenco que se apresentou em CARMEN na semana passada, um espetáculo da série Ópera Contada e Cantada que criei há dois anos e cuja concepção assino com a Rosana Caramaschi. Este espetáculo baseado na ópera, está viajando pelo interior do Estado de São Paulo, com um enorme sucesso de público.

Encerramos nos próximos dias a primeira série de 24 apresentações/cidades, com algo em torno de 14.000 pessoas como platéia. O vigor com que o espetáculo é recebido demonstra que estamos no caminho certo, com parâmetros artísticos e de produção corretos e que o modelo encontrado possui uma relação de custos muito viável para os Estados e Cidades. E por estarmos todos (corpo técnico e artístico) em permanente estado de alerta e em contínua autocrítica para aperfeiçoamento do conjunto, estamos seguros de que os padrões de excelência perseguidos estão atingidos e são relevantes.


(*) da esquerda: Miguel Geraldi (D. José e Pablo), Gabriella Pace (Micaela, Frasquita e Juanita), Leonardo Pace (Lilas Pástia VI e Escamillo), Magda Painno (Carmen e Consuelo), Airton Renô (Miguelito).

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Dilemas Contemporâneos da Cultura (34)

O falso espelho - 1928
René Magritte

Fato: não há ídolos no canto lírico no Brasil

Não há cantores que arrebatem multidões, nomes que as pessoas queiram ouvir em casa e que lotem teatros. Infelizmente não temos isto no Brasil.

Tudo indica que o Brasil está mudando. Ontem mesmo conversa com uma jovem jornalista que disse “tenho a impressão que alguma coisa está diferente, pois ao que parece, as pessoas estão valorizando mais a música erudita, o canto”. Esta impressão pessoal, não é distante do que tenho ouvido em vários lugares.

Há um dado novo. Nos últimos 16 anos, o país sofreu profundas alterações, maior integração através da comunicação global, a telefonia celular influenciando largamente os comportamentos, a abordagem tecnológica e, como consequência disto, maior perspectiva de escolha de entretenimento associado à formação do individuo.

É natural que todo o investimento em Educação, amplie a capacidade de indagar dos novos cidadãos (é isto mesmo tá? Novos cidadãos como uma provocaçãozinha particular). Melhorando o conceito, quanto maior a franquia de direitos, maior a aproximação do individuo comum dos processos artísticos que lhe exigem maior alfabetização para a arte.

Assim, volto a insistir, é o momento dos nossos cantores – de resto todos os profissionais da área da Cultura – repensarem seus projetos.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Dilemas Contemporâneos da Cultura (33)

Máscara - 2005
Antonio Carmo*

Retornemos à ausência de ídolos no Canto Erudito no Brasil.

No post passado atribuí a responsabilidade ao próprio cantor em primeiro lugar. É duro pensar nisto, sei que é dificil admitir. É muito mais fácil ver o problema no outro.

Sabemos que os problemas existem pela ausência de um mercado organizado com contratantes com volume de trabalho, não há uma rede de produtores interessada no segmento - aliás uma grande bobagem e isto já poderia ter avançado mais - os agentes não funcionam como prestadores de serviço para o artista, mas apenas intermediários, não há uma articulação nacional para se cuidar da imagem do profissional da área, os agentes públicos têm uma visão estreita da questão até por uma questão partidária histórica (isto é outro tema...). Tudo isto é parte da demanda.

O artista é o ponto de partida para tudo isto. Ao menos deveria ser. Recentemente criou-se uma Associação Nacional dos Profissionais de Ópera que ainda, convenhamos, não avançou o suficiente e está neste momento buscando mecanismos sustentáveis de financiamento e discutindo questões importantíssimas com várias esferas. Não avançou o suficiente, mas é um canal de representação e expressão forte o bastante para falar pelo setor.

A Associação é uma ação de conceito coletivo. Ao artista cabe pensar seu projeto.

Isto mesmo. Ao artista falta um projeto. Obviamente não estou falando de projetos de espetáculos, mas uma proposição de vida, a resposta à pergunta "o que farei daqui há 10 anos?"

Há poucos dias, conversava com um jornalista que me dizia ter entrevistado um cantor (ou cantora, não importa) e me disse que teve ótima impressão na conversa, que era uma pessoa muito bem informada, culta, com qualidades artisticas que já conhecia e pessoais que sequer imaginava. Desta conversa, o (a) artista ficou de enviar para ele algumas gravações, alguns programas, um DVD (destes "piratas" que os cantores utilizam). Pergunta do jornalista para mim: "você viu quando chegou o material?... Eu não até hoje e nem um e-mail, um recadinho no facebook ou coisa parecida".

E você? Viu o material? Este é um caso recente. Quantos destes já vimos?

Vejam que o (a) profissional a que ele se referia é gente da melhor qualidade.

Por que nada foi enviado e a promessa não cumprida? O material não era tão bom assim? Faltou suporte técnico para ter boas gravações?

Qual a real distância entre intenção e gesto?


(*) Antonio Carmo nasceu em Lisboa, em 1949. Sua opção na pintura é pelo amor e pela música. Se há tristeza, ela aparece de forma quase bucólica. Há certo otimismo no seu trabalho representando as Estações do ano com uma intensa palheta de cores vibrantes.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Carlos Gomes no mapa do Brasil (22)

Il Guarany - SNO/SPID
por Cyro del Nero

Relutei muito em escrever nestes dias, pois queria fazer um registro do falecimento de Cyro Del Nero. O que dizer quando um amigo deixa este plano?

Cyro foi o primeiro cenógrafo da nossa (minha e de Rosana) trajetória em ópera. Aliás, o Cyro foi primeiro em tanta coisa... Um desbravador, afável, carinhoso, de cultura ímpar, bem humorado, sério, honorável.

Ele desenhou nosso primeiro Il Guarany, de Carlos Gomes. Aquele Guarany da Bulgária, com um palco giratório inclinado ao centro, cercado de bananeiras desenhadas em painéis gigantes que se moviam, ora dando a ilusão de floresta, ora as paredes de um castelo, as frágeis defesas de um quarto.

Rimos muito, Cyro, Julio Medaglia, Rosana e eu. Rimos. Temos histórias comuns que nos fazem rir até hoje. Cyro era um bom gozador. Daqueles de humor sutil, da do muxoxo irônico, nunca ofensivo, jamais arrogante, pretensioso. Humor de riso largo, grave, daqueles em que se balança o corpo todo.

Conheci Cyro muito antes de tudo isto. Observando seu trabalho, aprendi muito da arquitetura promocional e, de certo modo, quando passei a projetar estruturas na minha empresa à época, confesso que imitei Cyro nos acabamentos, nos volumes. Cyro foi um mestre insuperável. Reparei nestes dias que tenho à minha cabeceira um de seus livros. Daqueles que se folheia para lembrar alguma coisa sempre e, a partir de agora, para rever um parceiro. Fomos parceiros, menos do que gostaria, mas fizemos bons trabalhos. Pena que nestes últimos tempos tudo esteja tão magro que pouco se pode fazer com Cyro.

Foi com ele minha primeira viagem à Grécia, país de quem Cyro, mais do adido que era, foi um embaixador incansável da história - da sua própria paixão. Algum tempo depois retornei a Atenas e lá pude repetir muito do que aprendera com ele, naquela viagem de apenas 2 dias.

Tem mais, mas deixa assim. Fica o registro, a boa lembrança. Se Cyro não botou de fato Carlos Gomes no mapa do Brasil, pode-se dizer que ele foi quem deu a forma e dimensão no palco para uma obra do compositor que foi uma nova fase na difusão do seu trabalho. Sem aquele Guarany, provavelmente tantas outras energias não teriam se juntado e tantas perspectivas não se abririam.

Cyro nasceu em São Paulo, no bairro italiano do Brás. Uma cidade aberta como ele.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Dilemas Contemporâneos da Cultura (32)

Your confort is my silence - 1981
Barbara Kruger

A medida do sucesso é sempre um problema para o artista. Na nossa lingua e cultura, o sucesso é mais associado a alguma coisa a ser conquistada.

Se pensarmos em italiano, entretanto, talvez a dimensão dada ao sucesso fique um pouco mais clara. Successo é o êxito em alguma atividade, mas é também alguma coisa que já aconteceu. Pensando assim, o sucesso só acontece a partir de alguma coisa realizada e não por algo que será feito no futuro.

Ora, desta forma compreende-se com mais facilidade que viver do sucesso é comemorar o passado e não trabalhar para o futuro. Um artista de sucesso é alguém que já fez, já realizou alguma coisa e foi reconhecido no passado. Isto não significa que será lembrado por outras coisas no futuro.

Isto ajuda a entender que ídolo, como temos tratado, é o artista que realizou e continua produzindo arte com reconhecimento de mais e mais pessoas. O ídolo não para. Tem sólida formação, ou conteúdo coerente, e permanece oferecendo às pessoas que lhe são afeiçoadas o que lhes agrada por longo período.

Por mais que o conceito seja compreendido ao atribuir ao próprio artista o resultado do seu trabalho e nisto está certo, obviamente não explica por si o conjunto de fatores que interferem na solução do problema.

O Brasil continua sem ídolos no canto lírico e parte desta responsabilidade é do próprio artista. Duro admitir, mas é um fato.



quinta-feira, 22 de julho de 2010

Nota de Rodapé (5)

La représentation - 1937
René Magritte

Como temos estréia na próxima semana, pequeno recesso de dois dias para ensaios.
Amanhã tem mais.