Acrílica sobre tela - Walter Introini
Ao ser indicado pelo deputado Gabriel Chalita ao prefeito eleito Fernando Haddad, John Neschling assumiu a direção artística do Theatro Municipal de São Paulo (TMSP) sob a aura de retorno à Cidade que o aplaudiu à frente da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.
Após sair da OSESP, Neschling
reapareceu com sua Companhia de Ópera que não vingou após alguns meses de trabalho.
Nome natural para estar à frente
de Orquestras Brasileiras, após longo retiro sabático, digamos assim, o maestro
retornou a São Paulo, visto com certo pé atrás por algumas pessoas, muito mais
em função do seu estilo arrasa-quarteirão do que por sua competência(segue). O tom ameno das primeiras entrevistas e conversas mantinha
nos interlocutores certo receio de que seu temperamento tumultuasse a cena lírica da Cidade.
A bolsa de apostas dos bastidores oscilava à época entre 6 e 8 meses para que a
brisa fresca se transformasse em tufão.
Em meio a uma mudança
administrativa iniciada na gestão anterior, sob regime de uma Fundação de
direito público (acho um erro este caminho inicial e nele está a diferença
fundamental com relação à OSESP, por exemplo), o Theatro Municipal de São Paulo
inevitavelmente, qualquer que fosse o gestor, passaria por um período de
transição complexo e difícil. Fazendo uso de uma analogia vulgar, esta fase
seria a mesma de trocar as turbinas do avião durante um longo voo para o Japão.
Este preambulo serve para dar uma
face das tensões que permeiam o TMSP neste momento.
Infelizmente, o Theatro está às voltas com
problemas que extrapolam as questões de funcionamento administrativo, virando
palco de polarizações evidenciadas por afirmações negativas quando à
qualidade dos profissionais brasileiros, acusações de supostos favorecimentos
comerciais, dúvidas de sabotagem nos equipamentos, reclamações internas de
diversas origens, preconceitos contra a própria cidade, excessos nas redes
sociais (da acusação diária de desvios de conduta do maestro ao puxa-saquismo
extremado, passando por respostas iradas, contestação permanente de ambos os
“lados” etc.), fusão dos Corais Lírico e Paulistano, e matérias em vários
veículos como a Folha de São Paulo e a Isto é e outros, gerando polêmica, rebatimentos e novas contestações nas redes sociais.
Nós profissionais da ópera, precisamos
trabalhar e é natural a expectativa de fazê-lo no Theatro Municipal onde
regularmente sempre houve espaço para todos. Tecnicamente falando, não há razão
para que artistas de várias áreas estejam fora da programação do TMSP. Artistas
que, antes desta gestão, criaram e produziram bons espetáculos durante vários
anos e na vocação original do TMSP de apresentar ópera.
Por outro lado, a construção das
responsabilidades do Municipal são mais complexas. Sabemos que temos severas
limitações no ensino em todas as áreas. Faltam mais professores de canto, o
ensino das técnicas de interpretação é insipiente, não há escola regular que
atenda a demanda de técnicos, faltam programas de profissionalização. Não
podemos, entretanto, anular a capacidade
de nossos artistas, bastando para isto observar que o teatro, o cinema e a
televisão se desenvolvem. E se isto acontece é porque existem mecanismos
criados dentro do próprio Estado para que isto aconteça.
Já a ópera depende dos espaços de
grande porte, de orquestras e coros para ser realizada de maneira plena. Mesmo
com outras soluções isoladas de sucesso em outros formatos, ainda não há meios
de se criar uma base sólida abrangente para o gênero.
Isto não acontecerá em São Paulo se
o Municipal não priorizar a presença de artistas e técnicos nacionais
trabalhando de fato. Este raciocínio ou “prestação de contas” não pode ser numérico,
nem apenas fundamentado em respostas semânticas. Insisto: é a direção do
Theatro Municipal quem deve se posicionar e criar mecanismos para que artistas
nacionais possam atuar na sua programação e não estou falando apenas nos corais
e orquestras.
Estou certo de que todos queremos
que o Theatro volte à normalidade, trabalhando com qualidade, criando
oportunidades para os profissionais brasileiros, trazendo artistas
estrangeiros, inclusive diretores, regentes, cenógrafos, entre outros, que
possam acrescentar experiência à atividade no Brasil.
Mais ainda, queremos que o
Theatro respeite as instituições, a legislação vigente em todos os seus
aspectos, que crie mecanismos para promover o acesso da população ao gênero e,
reconhecida sua limitação física (pouco mais de 1500 lugares), que outras
formas de apresentação sejam desenvolvidas, principalmente para e nas
periferias. Seria um ótimo desafio para o prefeito Haddad construir um novo
teatro de ópera na zona leste, por exemplo, obrigando o próximo governante
municipal a ocupa-lo de maneira adequada.
Queremos também que o TMSP fomente
a produção nacional, definindo novos padrões artísticos que atraiam público de
todo o país e do exterior para seus espaços, que consiga difundir a ópera
favorecendo o pensamento intelectual em torno do tema e uma série de outras providencias
conhecidas por quem é da atividade. O TMSP tem a obrigação de construir este caminho e isto não se contesta.
Creio que de um modo geral
ninguém é, por princípio, contra qualquer gestão nova no TMSP e todos torcem
para que o resultado seja bem feito. No entanto, o fazer bem feito tem um
componente que implica em ponderação, aceitação e compreensão das divergências,
negociação de forma equilibrada, respeito à história dos equipamentos e das
pessoas envolvidas, entre outros aspectos óbvios.
Pessoalmente, sou radicalmente
contra a extinção do Coral Paulistano ou sua fusão com o Coral Lírico como foi
anunciado e se tornou o foco da crise atual do Theatro. Basta dizer que o
Paulistano é um ativo artístico da Cidade de extrema importância e relevância. Suas
características precisam ser preservadas e seu trabalho e seu conceito
valorizados. Sua extinção é uma perda irreparável para os profissionais que
deram corpo ao conjunto e para a Cidade. Qualquer ação desta natureza precisa
ser repudiada com veemência.
De resto, acho que já passou
tempo demais, já se falou demais e é chegada a hora de dizer chega. O Theatro
precisa entrar nos eixos, mesmo que para isto tenha que recuar em algumas
posições. Não dá para esticar a corda o tempo todo e, quando ela se rompe, não
adianta imaginar que alguém a cortou. Outra analogia banal, mas simples e
direta como devem ser as coisas no ambiente criativo.
A continuar este estado não
haverá meios de se conseguir bons resultados artísticos e toda a cadeia
envolvida, dos dirigentes do teatro ao Prefeito, todos serão responsáveis.
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