segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Nota de Rodapé (13)

Festival Amazonas
capas dos programas dos quatro primeiros anos

Apropriada a análise de João Marcos Coelho (1) sobre as mudanças recentes no Theatro Municipal de São Paulo que vive um momento delicado de transição em que se obrigam a conviver obras de reforma e restauro e os corpos artísticos. Como sempre, o crítico nos oferece um texto arguto e hábil.

Ao citar no texto o Maestro Luiz Fernando Malheiro como idealizador (sic) do Festival Amazonas de Ópera, Coelho lembrou-me outro artigo recente em que a história do início deste mesmo festival não ficou clara.

Vamos aos antigos fatos.

Desde 1990, buscávamos caminhos para a produção independente de teatro e ópera. Em 1994, já trabalhando ideias para o centenário de Carlos Gomes em 1996, criei um projeto que se materializaria com a exposição Carlos Gomes, Vida e Obra (2) e recitais itinerantes, a produção na Bulgária de três óperas de Carlos Gomes, sua gravação em Video e em CD, sua exibição nas TVs Educativas em rede nacional e circulação da ópera Fosca por três estados brasileiros.

Nossa ida à Bulgária foi consequência da falta de apoio dos teatros e governos que obtivéramos no Brasil. Tínhamos um banco patrocinador de origem italiana que se propôs a apoiar o projeto (3), buscamos alguns teatros na Itália, Portugal e Espanha que se dispusessem a fazer uma parceria conosco, o que se tornou inviável. Convidamos o maestro Júlio Medaglia para dirigir a primeira produção (Il Guarany) e, por sugestão dele, conversamos com a Opera Nacional de Sofia, onde estabelecemos as bases iniciais do programa. Eles entrariam com a mão de obra técnica, orquestra, coro e corpo de baile. Nós cuidaríamos dos recursos financeiros, da regência (sempre um brasileiro), dos projetos cenográficos, de figurinos e aprovaríamos (e indicaríamos) elenco, resultados etc. Também era nossa responsabilidade a gravação em sistema de broadcasting, edição de vídeos, sua exibição no Brasil, distribuição gratuita etc. Para o segundo título, convidamos o Maestro Isaac Karabtchevsky, então regente titular do Teatro Municipal de São Paulo, que, por inúmeros compromissos, não pode se comprometer com a continuidade do projeto. Seu assistente, o regente Luiz Fernando Malheiro, é convidado então para reger Fosca (novembro de 1997) que também a regeria em projeto da Funarte que acabou não acontecendo. No ano seguinte (novembro de 1998), Malheiro também rege a nossa versão de Maria Tudor.

Com nossos patrocinadores, trouxemos Fosca para São Paulo com toda a companhia de Sofia (cerca de 150 pessoas) em abril de 1998, inclusive a orquestra búlgara regida pelo mesmo maestro Malheiro, dividindo recitas com o regente titular da companhia. Com o apoio financeiro do Ministério da Cultura, através da Funarte – Fundação Nacional de Arte, levamos também o projeto para Manaus e Belém.

Em Manaus, encerrava-se o II Festival de Manaus – Opera, Música Sinfônica, Ballet & Jazz. Este festival foi, até onde nos consta, idealizado pelo violinista alemão Michael Jelden que com apoio do Governo do Estado e empresas locais conseguiu viabilizar os dois primeiros anos.

Neste mesmo ano, o Maestro Júlio Medaglia criara a Orquestra Amazonas Filarmônica, um velho sonho de Amazonino Mendes, o governador à época.

O Secretário de Cultura Robério Braga entusiasmado com os resultados de público de Fosca, com a organização e aspectos gerais artísticos e de produção, solicitou-me que estudasse a possibilidade de dar continuidade ao Festival de Manaus já que se encontrava insatisfeito com algumas características do projeto, tendo rompido com os gestores anteriores. Lembro-me ter relatado a ele que já estávamos estudando mecanismos para produzir um festival de ópera no Brasil e que seria excelente termos a oportunidade de reformular o festival existente, desde que não mais apresentássemos jazz, dança e outras atividades como o programa realizado até então. Faríamos se concentrássemos em Ópera. O Secretário Robério propôs que planejasse da maneira que me parecesse melhor, desde que tivéssemos resultados artísticos de qualidade, com visibilidade nacional e fora se possível.

Foi assim que em poucas semanas, apresentamos um projeto do I Festival Amazonas de Ópera que, por decisão do Secretário de Cultura, passou a ser o III Festival Amazonas de Ópera, unificado às iniciativas anteriores.

A Orquestra Amazonas Filarmônica, mantida pelo Governo do Estado, foi cedida por seus titulares (Maestro Júlio Medaglia em 1999 e Marcelo Stasi em 2000) para o Festival do qual fui o Diretor Geral nos dois primeiros anos e Rosana a Diretora de Produção. Malheiro assinou as direções musicais dos títulos que regeu. Netes dois anos que participamos o festival teve ainda Marcelo Fagerlande com seu grupo de câmara e o Maestro Karl Martin regendo um dos títulos. 

As edições seguintes já não teriam nossa participação, com o Maestro Malheiro assumindo a titularidade da Orquestra Amazonas Filarmônica.

Em 2002, a convite do Governo do Estado do Pará, do então Secretário de Cultura Paulo Chaves, criamos e, nos anos seguintes, passamos a realizar, o Festival de Ópera do Theatro da Paz, em Belém, com vários intérpretes nacionais e internacionais à frente da Orquestra: Maestros(4) Júlio Medaglia, Patrick Shelley, Matheus Araújo, Barry Ford, Karl Martin, Henrique Lian, Abel Rocha, Sílvio Viegas, Flávio Florence, Roberto Duarte.

Estes fatos, somam-se ao texto de João Marcos Coelho ao concluir citando  os “poderes extramusicais necessários para (o regente) trabalhar no pódio com alguma tranquilidade”.

Da mesma forma que o Festival Amazonas não foi iniciativa de um regente, mas de um Secretário de Cultura que detectou a necessidade de um salto de qualidade com novos parceiros, ou o Festival do Theatro da Paz, por orientação e visão de outro Secretário de Cultura, outras situações têm história semelhante:
a OSESP teve John Neschling, mas também o Secretário Marcos Mendonça, Roberto Minczuck, Cláudia Toni e vários colaboradores também importantíssimos para os resultados; o reconhecido Ira Levin conduziu a Orquestra do TMSP de forma brilhante, num momento muito particular, sob a gestão de Lúcia Camargo, com a série de Câmara do Henrique Lian, com o Ivo Rosseti arrumando recursos financeiros (além disto, quantas vezes não se buscou de graça, tecido para figurinos na sua fábrica?) e vários outros exemplos.

O próprio Neschling ao encerrar suas atividades na Cia de Ópera que acabara de criar, aponta problemas. Com isto o maestro, admite nas entrelinhas que não bastam o regente, a equipe teoricamente capaz que reuniu, o apoio financeiro e institucional que obteve do Ministério da Cultura, mas outros fatores que inviabilizaram a iniciativa como havia imaginado. Certamente, aspectos aparentemente simples, mas cruciais como o suporte adequado a tarefas tão necessárias ao desenvolvimento da Cultura.

Estes fatos e outros passam pouco a pouco para a arqueologia da ópera e da música erudita, mas não deixa de ser importante entender que – mesmo em condições desfavoráveis – no passado, vários gestores conseguiram bons resultados. O que não significa que os modelos anteriores de gestão sejam ainda adequados. Guardada a memória de pessoas e experiências positivas, preguemos a modernização de procedimentos, a visão global e convergente das atividades culturais, a preservação dos bens públicos, a ética, a transparência, a preservação do interesse coletivo.

O que se deseja de fato é que as gestões se profissionalizem, os administradores sejam sensíveis, que a cada vez mais tenham a visão do conjunto que, por exemplo, representa o TMSP onde convivem ópera, dança, escolas e museu, sem considerarmos os desdobramentos naturais e esperados de uma estrutura moderna e numa das maiores cidades do mundo.

Boa sorte ao maestro Abel Rocha e, parafraseando João Marcos Coelho, que os poderes extramusicais se unam a favor da música de qualidade.



(1) Analise publicada na edição de 16 de Fevereiro do jornal o Estado de São Paulo. Infelizmente não encontrei o link do texto integral.
(2) Recitais realizados em várias cidades. No lançamento, em Campinas, uma orquestra arregimentada foi conduzida pelo Maestro Diogo Pacheco, tendo Rosana Lamosa como solista. Os recitais itinerantes foram feitos com piano e vários solistas nacionais.
(3) o incentivo entusiasmado à realização do projeto e decisão de patrocínio foi de Gilberto Biojone, então executivo do Banco Sudameris.
(4) O maestro Ira Levin também participou do festival realizando um concerto como pianista. 

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