quarta-feira, 31 de março de 2010

Dilemas contemporâneos da Cultura (8)

Personagens da peça (Kabuki) Matsutaka temari fujitsuroku - 1855

O financiamento à produção cultural é o principal dilema não resolvido na Cultura.
Não existe mágica.


De um lado há necessidade de politicas públicas e recursos também públicos para programas decorrentes.De outro consumidores de Cultura dispostos a pagar (com dinheiro privado) pelo que recebem: cidadãos, entidades e empresas. Nesta faixa, os interesses são distintos entre si e os volumes investidos idem. Para atender estes segmentos vale a lógica de mercado, ou seja , a adoção de ferramentas corretas de marketing para motivar adequadamente estas platéias para os bens culturais oferecidos. Isto signfica que há espaço e público para a maioria dos bens cuja lógica seja a bilheteria.


Existem inúmeros cases e relatos de bens culturais tanto "populares" quanto "eruditos" que tiveram recursos públicos e privados em percentuais distintos, ora prevalecendo um modelo ou outro.


Há, portanto, uma brecha, uma linha de raciocínio e de planejamento que pode orientar os planos de negócios da produção cultural.


Este é um caminho saudável para a sustentabilidade dos negócios.


Continuo com o tema amanhã e falarei das variáveis politicas no processo.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Carlos Gomes no mapa do Brasil (10)


Imagens da Praça Carlos Gomes - Curitiba - Paraná
por Joatan Berbel
"Isto, esta edificação com estas colunas leva o nome de stoa. Aquela parte interna ali, você vê? Era reservada aos comerciantes, aos banhos. Daqui da stoa se observa a ágora, esta grande área delimitada por estas construções. Uma espécie de praça, aberta, livre, para o cidadão e o debate democrático. Estas colunatas da stoa têm uma divisão, está vendo? A parte superior possui estes desenhos e a parte de baixo é assim mais lisa, porque nela as pessoas se encostavam, colocavam os pés. Sendo lisas, não eram deformadas pelo uso diário. Das stoas derivam os estóicos, os pensadores do logos (a razão universal) a ordenar todas as coisas e através do que o mundo é um todo harmônico (kosmos). Você vê ali a acrópole".
Com este ritmo acelerado, sábio e didático, olhando tudo e descrevendo além deles, com o mesmo entusiasmo* da primeira vez, vi e ouvi Cyro Del Nero descrevendo as maravilhas de Athenas, na Grécia. Numa de nossas viagens juntos à Bulgária, onde ele cenografava e eu produzia O Guarani, de Carlos Gomes, passamos pela Grécia no retorno ao Brasil.
Carlos Gomes teve um bom caminho na Bulgária** e certamente relembrado entre conversas que tivemos na ágora grega.
Não podemos dizer o mesmo da Praça Carlos Gomes em Curitiba, de onde, decepcionado, Joatan Berbel me enviou algumas fotos mostrando o descuido com coisas que são essenciais no espaço urbano.
Por mais sensível que o fotógrafo tenha sido ao encontrar no lixo um violino e declaração de amor, o entorno mantinha as lamentáveis consequências do descaso com o homem como já se tornou rotina no dia-a-dia das cidades.
Não se trata de responsabilizar apenas o poder público pelo mendigo enrolado nos seus trapos e dormindo sob uma árvore em tarde plena, ou pelos garotos consumindo crack, ou pelos consagrados carrinhos de pipoca de higiene suspeita.
São imagens corriqueiras que nos servem de espelho para o descaso da sociedade. O poder público é a ponta dinâmica deste processo. É sua responsabilidade tanto quanto é do cidadão ou cidadã que colocou as roupas para "quarar" na grama verde.

Lembro-me da Praça Carlos Gomes em Curitiba de alguns anos atrás. Uma como tantas, agradável, bem arborizada. Se hoje está degradada é compreensível, mas não aceitável.
As praças e os homens precisam de cuidados senão se deterioram, transmutam em outras coisas.
As praças deixam de ser espaços de convivência saudável, de diálogos de Cultura e - no caso da Carlos Gomes - de memória e homenagem. Os homens... bem, estes vão perdendo o brilho, a essência, a capacidade de ver o belo e, pouco a pouco, sem que percebam, passam a um estado de barbárie de dificil retorno.
* enthusiasmós - com deus interior
** Rosana Caramaschi e eu produzimos três títulos de Carlos Gomes em co-produção com a The Sofia National Opera: Il Guarany, Fosca, Maria Tudor.

Dilemas contemporâneos da Cultura (7)

Representation at the Theatre des Varietés
Jean Béraud

Bens Culturais são todas as formas de expressão da identidade de um povo e de sua humanidade.

Esta é uma definição para se repetir sempre. Milhares de vezes, rabiscando o que é forma, o que é expressão, identidade e por aí vai. Aliás, um exercício tentador.

A diferença entre arte erudita e arte popular reside no grau de alfabetização necessário para compreendê-las.

As artes populares trabalham com o universo conhecido, com a repetição, enquanto que as artes eruditas se orientam pela provocação de níveis alternativos e complementares de leitura e de abstração. Quanto mais uma determinada arte dita popular acrescentar de códigos de leitura, mais se aproxima da erudição.

Quando se fala em promover o acesso à Cultura Erudita comete-se um erro de origem: um cidadão não alfabetizado numa determinada linguagem não se aproximará dela. Considerando que o acesso existe uma vez que artes eruditas estão "expostas" nos seus lugares, a palavra "acesso" ganha o conteúdo de proximidade, facilidade de transito ou coisa parecida. Melhor seria usar como terminologia promover a iniciação à Cultura Erudita entendendo que isto significa promover o direito à alfabetização em determinada linguagem.

Ao insistimos na necessidade de formar pessoas e ensinar a pessoas o que música, pintura, ópera, dança, amplia-se o exercício dos seus direitos, inclusive de escolha.

Neste sentido, as instituições de comunicação de massa são cruéis, pois não avançam no direito ao conhecimento amplo e isto é cerceamento do direito.

Ora, se o cidadão não adquire outros níveis de leitura, ele jamais entenderá a importância de perpetuar as suas raízes culturais, um ciclo vicioso de difícil ruptura, já que não perceberá claramente sua realidade, seu papel social, terá uma visão limitada e corrompida na medida em que tenderá a desejar apenas o que o atende diretamente.

Convenhamos que seria uma lástima para o pais que deseja instituições sólidas, com valores sociais, políticos e econômicos que dêem sustentabilidade ao nosso futuro.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Dilemas contemporâneos da Cultura (6)

At the Loge
Mary Cassatt


  • Ano eleitoral no Brasil.
  • Para nós da Cultura será determinante a visão de cada candidato a respeito de nossa atividade e sua capacidade de apoiar de forma decisiva as nossas demandas futuras.
  • O financiamento da atividade cultural é dependente do poder público e o setor não conseguiu desenvolver mecanismos de sustentabilidade.
  • Várias pendências deverão ser resolvidas pelos próximos presidente, governadores, deputados e senadores: fortalecer e aperfeiçoar a Lei Rouanet, as PEC relativas às dotações orçamentárias, planos e programas estruturantes para os vários setores da Cultura.
Quatro frases que dão frio na barriga. Hora de abrir os olhos, pois a situação é grave.

terça-feira, 23 de março de 2010

Carlos Gomes no mapa do Brasil (9)

Estudo de Ópera - Lohengrin
by Arthur Thiele
Richard Vagner descreve na partitura de Lohengrin que uma pomba branca aparece anunciando a volta de Gottfried, irmão de Elza e principe de Brabanti. A tal pomba é omitida em muitas sinopses e sequer é mencionada em algumas montagens.

Quando dirigi a ópera Lohengrin no Teatro Municipal de São Paulo, sob a regência do Maestro Ira Levin, uma das decisões que tomei foi assumir a pomba como uma metáfora cristã do Espírito Santo.
Não importam aqui os detalhes de como cheguei a isto, mas o fato é ter percebido com maior força que o Espírito Santo tem uma íntima ligação com o cristianismo Português e, por extensão, praticado no Brasil com a mesma devoção. Esta prática, diferente do foco e até do credo em outros países cristãos, também caracteriza alguns modelos de comportamento, de relações, de entendimento dos seres à volta e várias outras coisas. Um exemplo disto são as festas do Divino que acontecem nos estados Brasileiros e nos países de língua portuguêsa com grandes semelhanças estruturais e até mesmo como um pingente reproduzindo a imagem do pombo/pomba, popularizado atualmente por uma novela de televisão.

Tão forte é a tradição da terceira pessoa da Santíssima Trindade no Brasil que um estado recebeu o nome de Espírito Santo.

Pois no Espirito Santo, em visita ao povoado de Cricaré, o Padre jesuíta José de Anchieta, no dia de São Mateus, levou à mudança do nome da que seria a cidade de São Mateus, onde ainda hoje se vêem as ruínas da Igreja Velha.
Traira, piaba, bagre, robalo, piau e cará, para quem gosta, são peixes deliciosos. Mas também são nomes de rua na cidade de São Mateus, no Estado do Espírito Santo.
Passando por qualquer destas ruas, é possivel chegar à Rua Pitu e, por ela, dobrando à direita ou à esquerda, dependendo do sentido de direção, toma-se a Rua Carlos Gardel.
Não me perguntem porque, mas é pelo tango que se chega às Ruas Villa-Lobos, Luiz Gonzaga, Franscisco Alves e também - claro - à Rua Carlos Gomes. Todas num condominio residencial muito agradável na simpática e histórica cidade.

O que tudo isto tem a ver com o início deste post?

Bem, em Napolis, na Itália, estreou Lohengrin, de Richard Wagner, na mesma estação em que FOSCA, de Carlos Gomes, estreou no Teatro Alla Scala de Milão e esta coincidência criou várias confusões para o nosso compositor. Para conhecer melhor esta história, é bom ler o livro do Marcos Góes "Carlos Gomes - uma força indômita". Se preferir, uma boa idéia é ir a Milão e comprar a edição italiana de "Carlos Gomes - un pioniere alla Scala, do mesmo autor. Boa leitura.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Carlos Gomes no mapa do Brasil (8)

Banda da Associação Lira Carlos Gomes
Estância - Sergipe - Brasil

É provável que o José Felix e Claudemiro Xisto tenham dormido pouco naquela noite. Às 5 da manhã do dia 3 de Outubro de 2010, o maestro Claudemiro já estava à frente da banda para iniciar as comemorações dos 130 anos da Associação Lira Carlos Gomes* que durariam o dia inteiro pelas ruas da cidade de Estância, no Estado de Sergipe.

Às 19 horas, foi celebrada uma missa na Igreja Nossa Senhora do Rosário e, em seguida, na sede da Associação, seu presidente José Felix e os demais sócios receberam os amigos para um coquetel em que todos projetaram os melhores desejos de continuidade para a banda, um dos orgulhos da cidade.

Tocar nas ruas de Estância em Sergipe é uma satisfação dos músicos da Lira Carlos Gomes.

Com toda a certeza, seria para eles motivo de muita satisfação poderem um dia tocar na Rua Carlos Gomes, na cidade de Estância Velha, no Rio Grande do Sul, onde os nomes se unem pela memória e reconhecimento ao compositor da ópera Salvador Rosa.

Estância Velha desenvolveu-se em torno do Rio dos Sinos com a instalação da Real Feitoria do Linho Cânhamo para a Coroa Portuguesa onde se produzia o cânhamo, matéria prima para os cordames dos navios. Como isto não deu muito certo, as terras acabaram distribuidas aos primeiros imigrantes alemães que chegaram ao Brasil e se instalaram inicialmente na cidade de São Leopoldo. Entre eles, Mathias Franzen - um sapateiro alemão - um dos pioneiros onde seria a cidade de Estancia, emancipada em 1959, deu origem à vocação de fabricar calçados da região.

E por falar em São Leopoldo, é bom lembrar que as primeiras 39 familias alemãs chegaram à cidade em 1824 formando o que se chamou de Colônia Alemã de São Leopoldo. A cidade é reconhecida como o marco inicial do Vale do Rio dos Sinos e, como seria natural imaginar, lá também a Banda de Estância no Estado de Sergipe, poderia se apresentar caminhando pela Rua Carlos Gomes, uma outra homenagem de São Leopoldo ao Tonico de Campinas - apelido pelo qual Gomes também foi conhecido.


*agradecimentos a Rossevanya Andrade, da Orquestra Sinfônica de Sergipe, que me contou e enviou material sobre a Associação Lira Carlos Gomes.

domingo, 21 de março de 2010

Dilemas contemporâneos da Cultura (5)

At The Opera
by Seymor Joseph Guy


Transcrevo aqui as palavras do prefeito Gilberto Kassab ao sancionar, na última sexta feira, dia 19/03/2010, a lei (publicada dia 22 no Diário Oficial) que concede isenção de pagamento de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) às atividades de Cultura e de Lazer:

"A lei deve servir de referência para que possamos conquistar outras vitórias na área cultural. Os artistas precisam do apoio do Poder Público para desenvolver seus trabalhos e contribuir para a construção da cidade e da formação cultural das pessoas que vivem em São Paulo".

Desta maneira, a partir de hoje, estão isentos de pagar ISS os espetáculos teatrais, de dança, balé, ópera, concertos de música erudita e recitais de música, shows de artistas brasileiros, espetáculos circenses nacionais, bailes, desfiles (inclusive de blocos carnavalescos ou folclóricos), e exibição cinematográfica em cinemas situados fora de shopping centers. A lei não beneficia apresentações artísticas em bares, boates, danceterias, casas noturnas e não será estendida para artistas internacionais.


Esta é uma reinvidicação antiga do setor cultural em São Paulo.

A nova lei veio a calhar para a continuidade das proposições sobre o nosso "dilema".

Qual o papel adicional da produção cultural intrinseco às tarefas que já desenvolve para atingir seus fins no cenário projetável para os próximos anos? De que maneira se darão estas relações com o poder público?

Não há dúvida que prevalecerá o coletivo sobre o individuo. Isto significa que individualmente as pessoas (artistas, técnicos, agentes, produtores) deverão se organizar seja através de empresas individuais e cooperativas para que se consiga a regularidade fiscal. Em pouquissimo tempo, com a tecnologia de dados disponível, não haverá condições de se realizar nenhuma atividade sem a devida estatura jurídica. Isto significa fortalecimento do mercado e dos segmentos culturais.

Ao mesmo tempo, serão levados em conta os registros profissionais e esta exigência deverá ser universal. Da mesma maneira que músicos precisam apresentar o registro da Ordem, as demais atividades deverão passar por mecanismos semelhantes. Em alguns teatros nos grandes centros, exige-se o DRT e sindicalização para várias categorias.

Já é uma necessidade que os profissionais se organizem de forma coletiva através de Associações e Entidades representativas de classe.

O efeito práticos disto, se vê na nova lei do Isenção do ISS em São Paulo. Independente da sensibilidade do Governante para a questão, ela foi fruto de uma articulação entre várias entidades representativas das várias categorias com a Câmara Municipal e o próprio Executivo.
O resultado efetivo foi mais uma passo concreto e uma conquista para todos.

Em Março de 2009, algumas pessoas se reuniram e criamos a ACPOESP* - Associação dos Cantores e Profissionais de Ópera do Estado de São Paulo, uma entidade que, embora mantenha no nome o Estado em que foi criada, já possui membros associados de várias regiões Brasileiras e é aberta a cantores, músicos, técnicos, diretores, regentes e a todas as atividades relacionadas com o fazer operístico. O objetivo desta associação é promover o desenvolvimento profissional e a difusão do gênero de forma a fazer com a que ópera passe a integrar o discurso e agendas de governos e empresas.

Apresentei a ACPOESP como resultado desta nova dinâmica que já vem se estendendo a várias outras entidades.

O ponto de partida destas articulações está nos grupos primários de artistas nas cidades. Além do esforço individual, das categorias, o poder público precisa estar presente e estimular a formação destes coletivos uma vez que isto estimula a troca de experiências e facilita o diálogo, deixando a informalidade de lado.

O grande dilema contemporâneo da cultura é, como venho falando, encontrar formas de financiamento da atividade de forma a garantir o seu desenvolvimento sustentado e sustentável.

O primeiro passo é formalizar um segmento cuja aparência á a informalidade. Apenas a aparência.


*interessados em conhecer a ACPOESP podem se comunicar com o e-mail acpoesp@uol.com.br