sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Dilemas Contemporâneos da Cultura (72)

Brighella - personagem da 
Commedia dell'arte


Tem palhaço, não é circo, vira Commedia dell'arte.
Este é um tema recorrente. Volto a ele sempre porque acho extremamente relevante que não nos esqueçamos da necessidade da alfabetização para as artes.
Pegando como referência a própria commedia dell'arte, na vida real fora dos palcos, dos teatros, dos museus, das galerias de arte, somos, a grosso modo, também divididos em zanni, vecchi e innamorati: os servos (de classes sociais mais baixas), os abastados de classe social mais alta e os amantes apaixonados que querem se casar. Todos personagens com dinâmicas próprias, com altos níveis de improviso, pois, afinal, não dá para saber antecipadamente o que acontece amanhã, ou daqui a pouco. Mas, há um roteiro. Ou deveria haver uma diretriz que nos encaminhasse melhor ao final sabido e esperado em que tudo, de um modo ou de outro se resolve.
Na Cultura é a mesma coisa. Precisamos fazer todos os esforços - criar alguns roteiros - para ampliar as relações da população com as artes eruditas. 
O raciocínio é simples. As artes populares são manifestações espontâneas do povo, confundindo-se conceitualmente com aquelas artes que se firmam via comunicação de massa, mas ambas já são de acesso facilitado pela origem (vindas do povo) ou estimuladas pela indústria cultural de massa. 
As artes eruditas demandam um tipo de aprendizado específico e uma das principais razões se concentra na sua característica essencial de propor vários níveis de leitura para os quais se referem os tais patamares de alfabetização para as artes e a convivência com os gêneros é a mais viável forma de alfabetização.
Não se trata de definir o que é melhor, mais isto ou aquilo, porque tudo se resume no principio de escolha. Ou seja, o cidadão tem o direito de optar pelo tipo de manifestação artística que lhe interessa. 
Cabe a nós artistas (e ao Estado) oferecer uma produção diversificada e culta contribuindo para que mais e mais pessoas, no exercício do seus direitos, conheçam as mais diversas formas de expressão e possam optar por aquelas que mais lhes dizem respeito. 

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Dilemas Contemporâneos da Cultura (71)

Ilustração de incêndio no Teatro Baquet
Porto - Portugal - 1888
Recentemente comentei da necessidade de se equiparem os teatros de forma a que com melhor infraestrutura se possam realizar espetáculos em melhores condições.
Quanto melhores as condições técnicas, maiores serão as possibilidades de utilização e, por consequência, maiores serão as probabilidades de espetáculos também melhores.
A questão não é meramente de caráter estético. 
Não se pode fechar os olhos para a segurança. São inúmeros os casos de acidentes decorrentes de teatros mal equipados ou mal dimensionados para suas atividades. 
Sem ser alarmista, corre-se muito risco no que diz respeito ao uso de equipamentos elétricos. Fazem parte da nossa realidade teatros e salas de espetáculos com emaranhados de fios nas coxias assustadores. Sem contar aqueles que, não tendo estrutura adequada, vivem do improviso de varas cênicas e varas de luz. 
Há mesmo gestores que se gabam de estarem a frente de determinados equipamentos não sei a quantos anos e, no entanto, as condições de trabalho deles e de suas equipes são miseráveis. O mérito deixa de ser o que se conseguiu trazer de melhorias para quem no teatro trabalha e nos níveis de segurança e conforto para o público e passa a ser o quanto não se fez para favorecer todos os interessados e a própria expansão da atividade cultural. 
Ora, sabemos que trabalhar em condições inadequadas não é demérito para ninguém, nem serve de desculpa para não se fazer um trabalho artístico sólido. No entanto, toda atividade cultural deve perseguir aperfeiçoamentos - principalmente técnicos e estruturais - para que a própria atividade em si seja ampliada e valorizada. 
Este diálogo entre artistas, gestores de cultura e administradores públicos deve ser permanente para que todos entendam e atuem na correção de problemas.
Caso não aconteça, a cultura para se uma atividade de alto risco. Apenas como lembrete, é só olharmos na nossa história, inclusive na história recente, quantos teatros no Brasil pegaram fogo. Não interessa a ninguém ver repetidos estes acidentes.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Dilemas Contemporâneos da Cultura (70)

Mesa de luz digital - Teatro Municipal de Araraquara
Os teatros têm um papel secular na socialização de pessoas. 
O ato simbólico de sair de casa e se reunir com outros para assistir determinado espetáculo tem uma importância muito maior do que o próprio ato em si. 
Trata-se de uma oportunidade de observar as pessoas em volta, encontrar conhecidos, compartilhar preferências, constatar a inclusão em determinados grupos, assemelhar-se a outros, viver experiências.
Em especial, as chamadas Casa da Ópera do passado em São Paulo e no Brasil colonial cumpriam este papel ao serem locais criados para a reunião de pessoas em torno da ópera em produções adaptadas às condições de cada um, do teatro de prosa, dos recitais, saraus, leituras de poesia. Com o passar dos anos, as antigas casas da ópera deram origem ou estimularam o surgimento dos teatros de maior porte.
O teatro como espaço tipicamente urbano preserva as funções originais sendo imprescindíveis nas cidades por seu caráter agregador.
Por esta razão, e considerando a nova dinâmica da Cultura encarada como um direito do cidadão, o reconhecimento de suas capilaridades e seu valor econômico, é muito oportuno que as prefeituras, através dos seus Secretários e Diretores de Cultura, passem a buscar mecanismos para dotar os seus teatros, auditórios e espaços correlatos da estrutura necessária para a recepção e produção de espetáculos de natureza compatível. 
Muitas vezes, um espaço fica anos sem receber uma revisão adequada dos seus ativos técnicos, ou mesmo um acréscimo ou substituição de equipamentos fora de uso. 
Existem, evidentemente, aspectos de legislação que não permitem muitas vezes a agilidade necessária. Também é certo que, ainda havendo certo desconhecimento - pouco ou nenhum interesse de conhecer- os benefícios reais da Cultura, não é simples se obterem recursos no âmbito dos município.
É recente, mas a Cultura passa a integrar o discurso político e ser vista como via de desenvolvimento. Incluir a melhoria de infraestrutura nos teatros, formação e aperfeiçoamento de mão de obra técnica nos orçamentos é um bom começo.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Carlos Gomes no Mapa do Brasil (36)

Rua Carlos Gomes (*)


Saudades do "Carlos Gomes no Mapa do Brasil". O bom de descansar dos textos diários é exatamente a volta a eles. Nada como um sabático de vez em quando... Para quem chega por aqui agora, os "Carlos Gomes no Mapa do Brasil" são publicados às terças-feiras e as dicas são sempre bem vindas. Vamos ao 34.


As coisas não andavam nada calmas para os lados do Paranapanema. Como em muitas histórias, o trem teve um papel importante também nesta. 
Partindo de Bauru, os dormentes de madeira foram enfileirados cortando a mata até o Estado do Mato Grosso e recebendo os trilhos que em pouco tempo ressoariam sua monótona cantilena de ferrocontraferro quando passassem por eles as locomotivas e vagões da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
Junto com eles vieram milhares de pessoas atraídas pelo solo fértil e paisagem exuberante. Das poucas casas de madeira, ranchos de sapé, em pouco tempo surgiriam loteamentos que virariam vilas, cidades: Alfredo Marcondes, Álvares Machado, CAiuá, Emilianópolis, Estrela do Norte, Euclides da Cunha Paulista, Marabá Paulista, Mirante do Paranapanema, Narandiba, Piquerobi, Pirapozinho, Presidente Bernardes, Presidente Epitácio, Presidente Venceslau, Ribeirão do Índios, Rosana, Sandovalina, Santo Anastácio, Santo Expedito, Tarabaí e Teodoro Sampaio. 
Em dezembro de 1908 foi inaugurada uma estação no meio da floresta. De um lado da linha instalou-se Miguel Caputi. No lado esquerdo Vicente Franco. 
Na região ainda haviam várias aldeias indigenas que reagiam ferozmente, o que era natural, quando se sentiam ameaçados e, em 1916, um grupo, chefiado pelo engenheiro Cristiano Olsen, foi massacrado, quando procedia ao levantamento das terras do rio Feio. Com o crescimento do Povoado de Araçatuba, os índios acabaram se afastando ocupando terras na Serra do Diabo no extremo do Pontal da confluência dos rios Paraná e do Paranapanema.
Cristiano Olsen é nome de uma rua movimentada em Araçatuba, cortada pela pacata Rua Carlos Gomes. 


(*) Rua Carlos Gomes, em Araçatuba, vista da Rua Cristiano Olsen.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Dilemas Contemporâneos da Cultura (69)



Não se perde uma professora como Neyde Thomas.
Como se pode perder o que é uma dádiva, um presente cujos benefícios serão percebidos para sempre?
De tempos em tempos, como se houvesse uma torneira quase sempre fechada, um pequeno girar de dedos abre uma imensa possibilidade.
Qualidade aos milhares de litros fazendo os ajustes necessários, tirando os pós das frestas, fazendo novos caminhos nas rochas.
Estive com Neyde no Concurso Bidu Sayão de 2011 onde ela, convidada por Rosana Caramaschi, lançou seu livro e prestou-se a uma conversa pública comigo num pequeno auditório com umas 50 pessoas entre alunos, jornalistas e outros (na maioria) que ali estavam para conhecê-la.
A professora era vigorosa. Estratosférica. E por mais gongóricos sejam os adjetivos pouco lhe farão justiça à generosidade, ao humor, à vaidade ligeira de quem consegue contemplar a obra e dar a medida concreta dos acertos. 
Neyde partiu.
A seus alunos cabe preservar suas lições.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Dilemas Contemporâneos da Cultura (68)


Hoje volto do meu quase sabático retiro. Sinto vontade de escrever (como se isto não fosse o que faço a maior parte do tempo) os textos do blog.

Quase que diariamente "rabisco" mentalmente um novo texto, um comentário mais ácido, uma observação furtiva a respeito dos mais variados assuntos, mas realmente não tenho conseguido encaixar criação e tempo neste caso. Mas considero este um exercício imprescindível e a abrangência multidisciplinar do que fiz na vida toda acaba abrindo perspectivas muito interessantes.

Estamos em viagem com dois espetáculos, o que toma um tempo enorme. A ausência dele, entretanto, não pode ser desculpa. Quanto falta de tempo vira desculpa, é melhor repensar, replanejar.

Aliás, esta é uma questão importantíssima para a Cultura: tempo. Ou dinheiro, ou os dois. Mas, geralmente, havendo uma visão de planejamento, o restante é mais facilmente equacionável.

Não se deve atribuir ao tempo - ou à falta dele - a imobilidade.

Serve a carapuça?

No meu caso, não. E para deixar isto claro para mim mesmo, volto a escrever, saio do sabático.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Dilemas Contemporâneos da Cultura (67)



Mutley e Dick Vigarista
Cartoon Network studios

É bom voltar a escrever após um longo (longo demais, é verdade) período que chamei de sabático muito mais para expressar o desejo que de fato o fosse. 


Mas não deixou de ser boa a sensação de ficar longe das redes sociais, deixar de lado a fúria de produzir texto diário, de correr pelos youtubes, twitters. Foi bom parar um pouco e acho que preciso dosar este acúmulo de coisas, principalmente por estar vivendo um momento muito rico, desenvolvendo um trabalho sólido no teatro, na ópera, com o Núcleo de Ópera Curta. Uma experiência muito boa, com colegas muito bons, com Rosana Caramaschi, com Luis Gustavo Petri, Wagner Pinto, agora com a Elena Toscano. Mas volto a falar disto com mais detalhes.


Hoje, o retorno, meio que precisa ficar marcado pelo quase prazer de ver o estado de coisas em Campinas com o acúmulo de denúncias, prisões, foragidos. Tipico de faroeste B como já vimos tantas vezes. O lado Mutley está rindo à toa com balõezinhos dizendo "não disse?", "tinha que dar nisto". 


Não dá para ficar indiferente quando uma Prefeitura de uma cidade como Campinas - vejam que é uma das mais importantes cidades do país - deixa-a neste estado de miséria intelectual. Entre as obras desta gestão, se dispuseram a acabar com o fosso de orquestra do principal teatro da cidade que passa por uma reforma. Está aí a oportunidade para os "de bem" congelarem as obras e proverem uma revisão do projeto.


Antes que perguntem o que eu tenho a ver com isto adianto que nada. Como profissional da área, tenho o direito de protestar. Lamento como cidadão, como brasileiro, como tantos campineiros lamentaram, que ainda se faça isto no Brasil. 


Não dá para encarar quando uma prefeitura faz isto. Insensibilidade com a Cultura é sinônimo de outros desvios de comportamento. 


Temos que ficar de olho: cidade com problemas desta natureza deve ter problemas de atraso de pagamento na área cultural, nepotismo nos cargos distribuídos, discurso retógrado e mau informado na formação de políticas públicas para a cultura ou coisas desta natureza. Todas são parecidas.