terça-feira, 13 de abril de 2010

Carlos Gomes no mapa do Brasil (12)


Capa da edição em português da ópera O Guarani

A origem dos nomes é sempre uma coisa curiosa.

É muito natural imaginar-se que certo Sr. Vicente Sabará Cavalcante proprietário do seringal Ouro Preto lhe tenha dado o nome da cidade Mineira de Ouro Preto até por levar no seu próprio a referência a outra cidade também de Minas Gerais. Natural, claro, mas a história ganha outra possibilidade se olharmos a região de Ji-Paraná, no Estado de Rondônia, onde fica a Serra do Ouro Preto, assim denominada por causa de umas pedras pretas características da região.

Factível portanto, que a Cidade de Ouro Preto do Oeste tenha assim sido denominada mais por causa das pedras, da Serra e menos por causa do Sabará ou mesmo da Ouro Preto Mineira.

Além desta pequena referência deste Brasil tão distante da sala onde escrevo este blog, o bom disto tudo é saber que quase no perímetro do traçado impecável das ruas de Ouro Preto do Oeste, está a Rua Carlos Gomes, mais um lugar de memória da ópera.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Dilemas Contemporâneos da Cultura (10)

Ópera Rigoletto - Festival de Ópera do Theatro da Paz
Leonardo Neiva e Sergei Dreit


Sempre se fala em financiamento, incentivo, liberação de recursos, patrocínios, mecenato, doações à Cultura.

Mas vamos pensar um pouco: do que é que se está falando?

Vamos inverter o olhar e entender claramente que a produção da arte, seja ela qual for, é uma atividade de interesse coletivo, de interesse público porque auxilia os cidadãos na reflexão sobre a sua identidade, lhes acrescenta uma visão dos seus pares, dos seus vizinhos distantes. Dá ao indivíduo uma consciência crítica que lhe permite perceber seus horizontes pessoais, sociais e políticos. Trata das relações sociais sob uma ótica crítica, seja na familia, no trabalho, na religião etc. Permite uma constatação do Belo. A arte não é necessáriamente contra ou a favor, mas pode e deve posicionar pessoas de forma a serem contra ou a favor.

A arte tem uma função educadora quanto justapõe ética e estética.

Ao mesmo tempo em que modifica de forma inteligente o meio ambiente a seu favor, através da arte o homem recebe os indicadores de seus erros e acertos.

Isto tudo tem um preço.

Por isto Governos devem promover e garantir a produção cultural e se não o fazem estão agindo contra os interesses da sociedade que representam. A questão não é partidária, muito embora seja dada à orientação política a prerrogativa de eleger atividades que se correlacionem com seus principios, sem entretanto criar hiatos de continuidade no interesse coletivo.

Por isto as empresas têm obrigações e responsabilidades com a produção cultural uma vez que utilizam da força de trabalho e se viabilizam pela via de consumo de seus produtos e serviços. Se necessitam de comunidades sólidas, devem contribuir para que seu desenvolvimento se dê de forma saudável. Não basta às empresas a lógica de mercado, uma vez que o mercado não se sobrepõe ao pensamento e à liberdade de formulação do pensamento criativo.

Da mesma forma, a propria sociedade, o cidadão, tem a obrigação de dar sustentabilidade aos seus artistas também investindo seus recursos na proporção de suas possibilidades e demandas particulares.

À produção cultural, por sua vez, cabe a imensa responsabilidade de transformar, indagar, aguçar, investigar, inferir, superar, demonstrar, persistir, resistir, de possibilitar que homem veja no Belo a sua essencialidade, a sua aproximação e semelhança à Divindade.

Nota de Rodapé (2)

Hoje saiu na Sonia Racy (O Estado de São Paulo) a seguinte nota:

GOGÓ
O Metropolitan Opera de NY convidou e Paulo Szot disse OK. Participará da opereta O Morcego. Também no Met, o barítono brasileiro foi confirmado para Carmen, na temporada do ano que vem.

Esta informação complementa o post Dilemas da Cultura (9), de 5/3/2010.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Carlos Gomes no mapa do Brasil (11)


Frente e verso da antiga nota de 100 cruzeiros
com D. Pedro II* (f) e a Cultura Nacional (v)


Quem nunca viu um pium não deve reclamar dos olhos ou dos óculos.

Pium não se vê, mas se sente na coceirinha infernal que aqueles bichinhos deixam depois que picam a pele do descente. Não é a toa que os tupis dizem do pium "aquele que come a pele". São os irmãozinhos, primos ou qualquer grau de parentesco próximo dos borrachudos e, portanto, devem ser da familia dos simulideos. O Aurélio garante que são dípteros, sobre o quê só posso concordar sem pestanejar porque nunca vi um de perto para ter certeza disto. Mas, se está no Aurélio, a gente acredita e espalha. Além de dipteros, parentes canhotos das muriçocas, pode-se dizer que são antliados, halterados, hauterípteros e haustelados. Muita coisa para um bichinho tão pequeno.

De todo modo,  a cidade de Paraiso do Tocantins surge emancipada em 1963 a partir do desmembramento do municipio de Pium que leva o nome pelo excesso dos bichinhos no passado ou por outra razão que não consegui saber. Fica o desafio para os historiadores do Tocantins.

Em Paraiso do Tocantins, cidade muito antes da capital do Estado - Palmas - há uma Rua Carlos Gomes cruzando a Vinicius de Morais. Um modelo de convivência e memória que mais uma vez demonstra a convergência entre aqueles que trabalharam a qualidade da música e da poesia, cada um a sua maneira. Transversalmente.

(*) D. Pedro II,  Imperador do Brasil ao tempo de Carlos Gomes.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Dilemas contemporâneos da Cultura (9)

A primeira saída
Pierre Auguste Renoir
A maior estrela brasileira da cultura no exterior é o barítono Paulo Szot.
Repetindo: a maior estrela brasileira da história recente é um cantor de ópera.

Amanhã não cairão centenas de e-mails na minha caixa postal discutindo o mérito inquestionável das duas afirmativas acima.

Paulo Szot não está cantando melhor agora. Antes de se tornar uma estrela internacional, ganhador do Tony Awards, sucesso de crítica "lá fora", ele já era um excelente cantor, profissional e colega, sofrendo aqui as mesmas dificuldades de espaço de trabalho que outras dezenas de igual valor e qualidade. A OSESP, que reconhecemos merecidamente como nossa melhor orquestra, nunca recebeu Paulo Szot. (*)

Sua estréia na mítica Metropolitan Opera House não se deu com um papel daqueles que estávamos habituados a ve-lo/ouví-lo nos teatros brasileiros como seria óbvio. Não. Pelo contrário, os programadores do MET tiveram a ousadia e apostaram na qualidade ao contratá-lo para O Nariz - um papel complexo, para um bom ator e cantor.
Sem qualquer possibilidade de diminuir um milionésimo sequer suas qualidades, conversava com outra colega - fã de carteirinha - e nos questionamos sobre quantos outros Paulos temos no Brasil.
Se nem todos são iluminados como ele a quem devemos aplaudir sempre, o que fazer para dar a dimensão correta aos nossos cantores? Como devemos sacolejar os programadores dos teatros a dar espaços aos artistas de estatura nas poucas oportunidades que temos nesta fase de transição? (**)
Na minha maneira de entender o problema, devemos privilegiar a qualidade e sermos radicais nisto. Para isto, precisamos dar espaço de trabalho aos nossos profissionais da ópera e criar o máximo de oportunidades para que se mantenham ativos.
Ao mesmo tempo, é necessário desenvolver as "vozes jovens", criando condições para que cantem aquilo que suas condições fisicas e técnicas permitam. Trocando em miúdos, sopranos não são todas iguais e "vozes jovens" cantando papéis adequados para "vozes maduras" é um desastre. Qualquer um que tenha um mínimo de responsabilidade com o canto sabe que a inadequação de papéis estraga a voz. Como se diz na analogia, obrigar o cantor jovem a cantar papéis que só poderia cantar dez, quinze anos mais tarde, é fazê-lo gastar o "capital" e não os "juros".
Feito este parenteses, fica mais uma indagação.
Precisamos estar atentos à qualidade de nossos profissionais. Já avançamos bastante no Brasil em várias áreas da cultura, mas ainda é muito pouco.
Não serão governos que resolverão estes problemas, pois são apenas parte da solução. Nós, profissionais, devemos, com urgência, criar mecanismos de proteção de nossos valores e nos posicionarmos criativamente, com as parcerias certas para avançarmos de forma segura nas nossas carreiras.
Não há como desenvolver sem participação, responsabilidade, visão de futuro, sustentabilidade e ética.
(*) fica uma sugestão para o Arthur Nestrovsky montar uma série para os solistas brasileiros, com direito a gravação, dvd, programa de tv etc. etc.
(**) tenho a convicção de que estamos vivendo o final de uma fase de transição.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Dilemas contemporâneos da Cultura (8)

Personagens da peça (Kabuki) Matsutaka temari fujitsuroku - 1855

O financiamento à produção cultural é o principal dilema não resolvido na Cultura.
Não existe mágica.


De um lado há necessidade de politicas públicas e recursos também públicos para programas decorrentes.De outro consumidores de Cultura dispostos a pagar (com dinheiro privado) pelo que recebem: cidadãos, entidades e empresas. Nesta faixa, os interesses são distintos entre si e os volumes investidos idem. Para atender estes segmentos vale a lógica de mercado, ou seja , a adoção de ferramentas corretas de marketing para motivar adequadamente estas platéias para os bens culturais oferecidos. Isto signfica que há espaço e público para a maioria dos bens cuja lógica seja a bilheteria.


Existem inúmeros cases e relatos de bens culturais tanto "populares" quanto "eruditos" que tiveram recursos públicos e privados em percentuais distintos, ora prevalecendo um modelo ou outro.


Há, portanto, uma brecha, uma linha de raciocínio e de planejamento que pode orientar os planos de negócios da produção cultural.


Este é um caminho saudável para a sustentabilidade dos negócios.


Continuo com o tema amanhã e falarei das variáveis politicas no processo.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Carlos Gomes no mapa do Brasil (10)


Imagens da Praça Carlos Gomes - Curitiba - Paraná
por Joatan Berbel
"Isto, esta edificação com estas colunas leva o nome de stoa. Aquela parte interna ali, você vê? Era reservada aos comerciantes, aos banhos. Daqui da stoa se observa a ágora, esta grande área delimitada por estas construções. Uma espécie de praça, aberta, livre, para o cidadão e o debate democrático. Estas colunatas da stoa têm uma divisão, está vendo? A parte superior possui estes desenhos e a parte de baixo é assim mais lisa, porque nela as pessoas se encostavam, colocavam os pés. Sendo lisas, não eram deformadas pelo uso diário. Das stoas derivam os estóicos, os pensadores do logos (a razão universal) a ordenar todas as coisas e através do que o mundo é um todo harmônico (kosmos). Você vê ali a acrópole".
Com este ritmo acelerado, sábio e didático, olhando tudo e descrevendo além deles, com o mesmo entusiasmo* da primeira vez, vi e ouvi Cyro Del Nero descrevendo as maravilhas de Athenas, na Grécia. Numa de nossas viagens juntos à Bulgária, onde ele cenografava e eu produzia O Guarani, de Carlos Gomes, passamos pela Grécia no retorno ao Brasil.
Carlos Gomes teve um bom caminho na Bulgária** e certamente relembrado entre conversas que tivemos na ágora grega.
Não podemos dizer o mesmo da Praça Carlos Gomes em Curitiba, de onde, decepcionado, Joatan Berbel me enviou algumas fotos mostrando o descuido com coisas que são essenciais no espaço urbano.
Por mais sensível que o fotógrafo tenha sido ao encontrar no lixo um violino e declaração de amor, o entorno mantinha as lamentáveis consequências do descaso com o homem como já se tornou rotina no dia-a-dia das cidades.
Não se trata de responsabilizar apenas o poder público pelo mendigo enrolado nos seus trapos e dormindo sob uma árvore em tarde plena, ou pelos garotos consumindo crack, ou pelos consagrados carrinhos de pipoca de higiene suspeita.
São imagens corriqueiras que nos servem de espelho para o descaso da sociedade. O poder público é a ponta dinâmica deste processo. É sua responsabilidade tanto quanto é do cidadão ou cidadã que colocou as roupas para "quarar" na grama verde.

Lembro-me da Praça Carlos Gomes em Curitiba de alguns anos atrás. Uma como tantas, agradável, bem arborizada. Se hoje está degradada é compreensível, mas não aceitável.
As praças e os homens precisam de cuidados senão se deterioram, transmutam em outras coisas.
As praças deixam de ser espaços de convivência saudável, de diálogos de Cultura e - no caso da Carlos Gomes - de memória e homenagem. Os homens... bem, estes vão perdendo o brilho, a essência, a capacidade de ver o belo e, pouco a pouco, sem que percebam, passam a um estado de barbárie de dificil retorno.
* enthusiasmós - com deus interior
** Rosana Caramaschi e eu produzimos três títulos de Carlos Gomes em co-produção com a The Sofia National Opera: Il Guarany, Fosca, Maria Tudor.